A geração dos hiperconectados nos tempos modernos

A geração dos hiperconectados nos tempos modernos

A primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, anunciou o desejo de estabelecer um limite de idade de 15 anos para o uso de sites de redes sociais na União Europeia. A televisão francesa por sua vez anuncia uma campanha experimental desencadeada pelos professores, escolas, empresas de tecnologia, governos e responsáveis por crianças, pré-adolescentes e adolescentes a fim de tentar mantê-los longe de celulares, dispositivos eletrônicos, iPads e congêneres durante dez dias.

Nos Estados Unidos, o movimento Wait Until 8th vem ganhando corpo rapidamente, e na Inglaterra um numeroso grupo, o Smartphone Free Childhood – Infância Livre de Celular – atua com grande repercussão.

A UE também examina um recurso “tóxico e viciante” do Tik Tok, plataforma que está sendo investigada. Uma conta pode ser banida se a empresa constatar que o assinante tem menos de 13 anos – em alguns países como Coreia do Sul –, ou 14 anos, como na Indonésia e no Quebec.

Mas “hoje você pode criar um perfil na maioria dos sites se tiver apenas 13 anos de idade”, escreveu a primeira-ministra Frederiksen em artigo para o jornal dinamarquês Politiken. “Ora,quando você tem 13 anos vocêainda é umacriança. E já vimos que o risco para as crianças usuárias de redes sociais é muito alto”.

Em paralelo a essas sérias e justas reclamações coletivas, um documentário em cartaz no streaming e um livro já traduzido para o português e grande sucesso lá fora reforçam as preocupações das famílias, educadores, psicólogos e pesquisadores em relação ao uso das redes sociais por

menores de idade e o seu acesso a conteúdos perigosos e violentos como propaganda suicida em vários chatbots. Aregulamentação é complexa porque, lembram os reclamantes, a Internet não conhece fronteiras nacionais.

O documentário A Rede Antissocial – dos Memes ao Caos*,do diretor Arthur Jones e roteiro de Giorgio Angelini, entrou no catálogo de plataforma em abril passado e tem uma hora e meia de duração. No início, vê-se um grupo de adolescentes que se reuniam durante os anos de pandemia e isolamento social criando uma comunidade na internet. Era a turma de usuários do 4Chan, a resposta americana ao japonês 2Chan, contendo comentários anônimos sobre mangás e animes. A garotada se divertia com brincadeiras maldosas, as trolagens.

Mas meses depois foi se transformando em depósito de mensagens com teorias da conspiração e resultou em um site, o Anonymous, que passava desinformação, mentiras, fake news, debates sobre pornografia infantil e imagens adulteradas. Ninguém era identificado.

O doc The Antisocial Network: Memes to Mayhem sugere a elaboração, com urgência, de um projeto que contemple uma infância mais saudável e livre de telas onipresentes, e a licença para uso dos dispositivos tipo smartphones somente a partir dos 14 anos de idade.

Em alguns dos depoimentos do filme que vem a ser uma adaptação do livro homônimo de Ben Mezrich (autor também de Bilionários do bitcoin) um deles chama a atenção: “A gente não sabia o que estava fazendo”, diz um rapaz se referindo à sua infância hiperconectada. O fato é que os comentários foram se tornando racistas e neonazistas até que um subgrupo se organizou no site Sieg Heil. O anonimato ofereceu a possibilidade de despertar o ódio coletivo concretizado nesse site nazista.

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Já o livro intitulado Geração Ansiosa, de autoria do psicólogo americano Jonathan Haidt (tradução de Lígia Azevedo), é focalizado na geração Z,

a leva de geração dos nascidos entre 1995 e 2010, geração de transição do século XX para o XXI, hiperconectada e hoje considerada aquela mais ansiosa. Há uma verdadeira epidemia de transtornos mentais na geração Z.

Haidt escreve que crianças e adolescentes estão em perigo. Desde o início dos anos 2010, as taxas de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais têm crescido vertiginosamente nesses grupos e o autor explica as causas dessa epidemia.

“‘A infância baseada no brincar’ entrou em declínio na década de 1980. Foi substituída pela ‘infância baseada no celular’ que alterou o desenvolvimento social e neurológico dos jovens”. As consequências, segundo ele, são privação de sono, privação social e dificuldades de atenção e vício.

Haidt mostra o que talvez possa ser feito na prática (o que não é fácil) para reverter a situação e evitar danos psicológicos ainda mais profundos.

Até agora, aprofundando as consequências desse quadro inquietante, chega o resultado de outra pesquisa, essa realizada recentemente pela empresa Resume Builder sobre o comportamento da Geração Z diante do mercado de trabalho. Esses e essas jovensestão preferindo trabalhar nas suas atividades em regime home office em razão da flexibilidade de horários, mobilidade etc., dois dos benefícios mais atraentes para os/as profissionais pós-pandemia. Já as empresas, por outro lado, começam a contratar com prioridade o pessoal com um pouco mais de idade; o que acaba trazendo dificuldades de integração ao mercado de trabalho por parte da geração Z.

Resistindo cada vez mais em retornar ao trabalho presencial, em casos extremos, alguns jovens funcionários preferem até o desligamento da empresa a retornar ao sistema híbrido ou presencial. Muitos talentos não querem e não estão acostumados a trabalhar todos os dias nesse regime e, no limite, escolhem aceitar a vida profissional híbrida. Mas há outra preferência importante: eles/elas desejam ser “pequenos empresários de si mesmos”, como muitos dizem.

Como se vê no doc A Rede Antissocial: dos Memes ao Caos “os pequenos empresários de si mesmos no fundo são contra o Estado e rejeitam qualquer interferência dele”. O que significa não à carteira assinada nas atividades que vão desde entregadores de produtos e motoristas de aplicativos até profissionais liberais tradicionais, mas classificados como independentes, ou seja, autônomos.

Enquanto o livro A Geração Ansiosa se aprofunda mais nesse tema dos nossos ‘tempos modernos’ o doc A Rede Antissocial: Dos Memes ao Caos, mais superficial, não deixa de ser instigante. Ambos são alertas sobre os perigos da cultura online tóxica e sobre a facilidade com que a desinformação e as mentiras vêm ocupando o espaço do tempo e os espaços pessoais e sociais. A internet, dizem observadores atentos, não é um espaço privado. Precisamos considerar seriamente o seu poder de influenciar o mundo real.

*Netflix.

**Livro em pré-venda na Editora Cia. das Letras.
Em julho estará nas livrarias.

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