Solto para morrer: Pedro Domiense de Oliveira (1921 – 7/5/1964) e Formado em Moscou: Thomaz Antonio da Silva Meirelles Neto (1943 – 7/5/1974). “Dos Filhos deste Solo”, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.
Mais dois crimes bárbaros cometidos pela ditadura de ’64 nesta data (há respectivamente 59 e 49 anos), até hoje ainda impunes. Um, militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro); e o outro, da ALN (Ação Libertadora Nacional).
Solto para morrer: Pedro Domiense de Oliveira (1921 – 7/5/1964). “Dos Filhos deste Solo”, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.
O relator do caso na Comissão Especial foi o general Oswaldo Gomes, que propôs o indeferimento, argumentando ausência de provas referentes à militância política. Suzana Keniger Lisbôa pediu vistas ao processo, buscou novas informações, juntou provas aos autos e apresentou parecer favorável ao reconhecimento. Por 6 x 1 votos, sendo voto vencido o do relator, o caso foi aprovado.
Pedro Domiense de Oliveira foi militante do Partido Comunista, presidente da Associação dos Posseiros do Nordeste de Amaralina, presidente da Sede Beneficente dos Moradores de Ubaranas e presidente das Classes Fardadas do Departamento de Correios e Telégrafos de Salvador.
Começou sua militância política ainda quando estudante do Colégio Central da Bahia. Concluiu o curso de bacharel em Ciências e Letras, interrompendo seus estudos devido a perseguições de caráter político. Foi trabalhar no jornal O Momento, cuja sede foi invadida pelo Exército, ocasião em que vários dos seus integrantes, inclusive Pedro, foram espancados. Devido aos danos físicos sofridos, ficou muito enfraquecido e contraiu tuberculose. Prestou concurso para
os Correios e Telégrafos em 1950, sendo nomeado no mesmo ano.
Em 24 de março de 1964, viajou para Brasília para fazer reivindicações da classe ao presidente João Goulart. No dia 1º de abril, Pedro saiu de férias, retornando ao trabalho no dia 2 de maio, tendo sido preso no dia 4.
O nome de Pedro Domiense de Oliveira não consta do Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964, apesar de fazer parte de outras listas de assassinados pela ditadura militar, elaboradas anteriormente.
Há no processo cópia da capa de um dos dois volumes dos anais da Comissão Mista sobre Anistia do Congresso Nacional, editado em 1982 pelo próprio Congresso e organizado pelo presidente da Comissão Mista, senador Teotônio Vilela.
Na lista dos assassinados pelo regime militar, que consta do volume II, encontra-se o nome de Pedro Domiense e a informação:
Funcionário do DCT na Bahia. Versão oficial: suicidou-se no Quartel da 6ª Região Militar, em 9 de maio de
1964, ingerindo tóxico. (ALVES, Marcio Moreira. Tortura e torturados. Rio de Janeiro, Idade Nova, 1996, p. 32.)
No livro “Onde estão? Desaparecidos políticos brasileiros”, organizado por ex-militantes da Ação Popular e impresso pelo Comitê Brasileiro pela Anistia, em data imprecisa, encontra-se o nome de Pedro Domiense incluído na relação de
presos políticos assassinados durante o ano de 1964.
No dossiê intitulado “Os presos. Os Mortos. Os Desaparecidos”, elaborado pelo Comitê Brasileiro pela Anistia do Rio de Janeiro, em junho de 1979, e distribuído no Encontro Nacional das Entidades de Anistia, está incluído o nome de Pedro Domiense, com a mesma informação que constou dos anais da Comissão Mista de Anistia.
Não restam dúvidas, portanto, da militância política contrária ao regime militar de Pedro Domiense de Oliveira, e de sua prisão e morte em razão dessa militância.
Fatos
Na edição de 5 de maio de 1964 do jornal A Tarde, da Bahia, sob o título “O inquérito sobre as atividades subversivas”, lê-se:
Foi instaurado, ontem, o inquérito para apurar as atividades subversivas do exdeputado Aristeu Nogueira, com o exame da documentação apreendida em sua residência (…). Na mesma documentação, foram encontrados diversos nomes de pessoas que, provavelmente, exerciam atividades contra o regime, dentro do esquema traçado pelo PCB. Todas essas pessoas serão chamadas para prestar esclarecimentos.
Entre outros fatos, sob o título “Expurgo no DCT”, a mesma notícia informa:
Determinada, ontem, a prisão de Pedro Domiense de Oliveira, ex-presidente das Classes Fardadas, que foi encaminhado à 6ª Região Militar para o devido interrogatório, dentro do plano de expurgo iniciado dias atrás pelo atual diretor regional dos Correios (…)
Consta ainda o depoimento de Mana Helena dos Santos, que declara:
Declaro para todos os fins que presenciei no dia 4 de maio de 1964, às 16h, na sede do DCT – Departamento de Correios e Telégrafos, localizado na Avenida Estados Unidos, Comércio, Salvador, BA, a prisão do sr. Pedro Domiense de Oliveira, quando, no exercício de suas funções, foi chamado para prestar devidos esclarecimentos ao diretor daquele departamento, dr. João Maximiano dos Santos, saindo de lá para a prisão. Sendo conduzido por dois soldados do Exército que informaram estar se dirigindo com o referido senhor ao Quartel General da 6ª Região Militar, na Mouraria, para ser interrogado.
No mesmo dia 4 de maio de 1964, me dirigi à 6ª Região Militar para saber o paradeiro do sr. Pedro Domiense e o coronel Maurino informou-me que ele estava preso e incomunicável. Retornei à casa dos seus familiares, que estava tomada por soldados do Exército, e informei à sua esposa o que me foi dito pelo coronel Maurino.
No dia 6/5/64 a sra. Maria de Lurdes Santana Domiense de Oliveira ficou sabendo por um vendedor ambulante que, ao passar nas imediações da base aérea, em um local conhecido como Santo Amaro, havia visto o sr. Pedro Domiense quase morto, daí, Maria se dirigiu ao local e o levou à base aérea que imediatamente o levou à 6ª Região Militar. Chegando lá, o mesmo coronel Maurino mandou levá-lo em um carro, acompanhado por soldados, até o Pronto-Socorro Getúlio Vargas.
No dia 7 de maio de 1964, o sr. Pedro Domiense de Oliveira faleceu às 15h10.
A guarnição militar só se retirou após sua morte.
Há ainda os depoimentos de Maria e do seu filho à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia, sob a presidência do deputado Nelson Pelegrino, em 4 de outubro de 1995.
A prisão de Pedro foi testemunhada por sua esposa, que chegou a acompanhá-lo em parte do trajeto. Um dos policiais que o escoltavam abriu uma carta, que dizia:
“Segue o ex-presidente das Classes Fardadas do DCT, o senhor Pedro Domiense de Oliveira, integrante do Partido Comunista”.
Ao vê-la, Pedro disse à esposa que fosse para casa tomar conta dos filhos, “pois eu não volto mais”.
Intoxicação
O Atestado de Óbito, assinado pelo dr. Edgard dos Passos Marques, indicou “intoxicação aguda exógena”.
A versão oficial foi de suicídio.
Maria passou ainda um ano sendo vigiada pelo Exército.
Mauro de Oliveira, irmão de Pedro, afirma que ele, Pedro, foi o primeiro, dentre os familiares, a entrar no Partido Comunista, tendo depois ingressado o cunhado e, por último, ele próprio. Declara ainda ter estado com Pedro no pronto-socorro, momentos antes do seu falecimento.
Edição do jornal A Tarde, de 19 de agosto de 1995, informa:
A morte de Pedro Domiense não constava dos registros oficiais dos movimentos de anistia ou da comissão de desaparecidos porque Maria nunca os procurou, somente o fazendo agora, por interferência do filho Valdemberg, que tomou conhecimento da existência da Comissão.
Suzana Keniger Lisbôa conclui o seu parecer:
As circunstâncias da morte de Pedro Domiense não poderão, agora, ser restabelecidas. Impossível que tenha tido acesso a algum veneno durante a prisão.
A versão de suicídio é descabida, tendo sido utilizada para a quase totalidade das mortes de presos políticos ocorridas em 1964. Certo é que estava preso e foi largado em um terreno distante, já agonizante.
Formado em Moscou: Thomaz Antonio da Silva Meirelles Neto (1943 – 7/5/1974). “Dos Filhos deste Solo”, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.
Thomaz era dirigente da ALN e desapareceu no dia 7 de maio de 1974, aos 31 anos. Era casado com a jornalista Míriam Medeiros e deixou dois filhos, Togo e Larissa. Amazonense de Parintins, filho de Togo e Maria Meirelles, Thomaz
formou-se em Sociologia pela Universidade de Moscou, com uma bolsa de estudos. Voltou ao Brasil em 1969 e caiu na clandestinidade. Em 1971, foi preso e torturado, sendo libertado em 1973. Voltou à clandestinidade. Míriam foi presa e torturada no DOI-Codi/RJ para revelar onde ele se encontrava.
Em 7 de maio, foi preso no Leblon e nunca mais foi visto.
O Correio da Manhã de 3 de agosto de 1979, em matéria assinada por Ana Lagoa e Henrique Lago, noticia que dois generais e um coronel da repressão colocaram o nome de Thomaz e de outros 13 desaparecidos como mortos pelos serviços secretos.
Na Folha de S.Paulo de 28 de janeiro de 1979, na entrevista de um general da repressão não identificado na matéria, o nome de Thomaz está relacionado com outros 12 desaparecidos como mortos pelos agentes do Estado.
Amílcar Lobo, na IstoÉ de 8/4/87, declara que viu Thomaz Meirelles no DOICodi/RJ.
Aos 21 anos, Thomaz mudou-se do Amazonas para o Rio de Janeiro, participando das lutas da Ubes e da UNE, inclusive do Centro Popular de Cultura.
Jornalista, participou da Cadeia da Legalidade contra a tentativa de golpe em 1961. Militou por um longo período no PCB, incorporando-se à ALN desde que a organização foi constituída.
A responsabilidade do Estado pela sua morte foi reconhecida no Anexo da Lei 9.140/95.