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Abuso de palavras-mágicas na ladainha neoliberal

Abuso de palavras-mágicas na ladainha neoliberal

Palavras-mágicas são ditas por “influenciadores” como capazes, de maneira fácil, convencer clientes, cativar públicos e desenvolver conexões sociais em torno de uma ideologia, no caso econômico, neoliberal. Para exame do caso dos fiscalistas, conhecidos como Zé Regrinhas, um artigo (Valor, 06/05/24) do ex-secretário no Ministério da Economia (2018-2020), ou seja, na transição do governo golpista para o da aliança entre neoliberais e neofascistas, é exemplar.

O autoelogio é escancarado logo: “dada a centralidade da política fiscal, na gestão macroeconômica do Brasil, um governo com credibilidade fiscal, como o observado durante a Era Temer (2016-2018), é capaz de reduzir as taxas de juros por meio de comunicações assertivas”. Credo! Quem viu isso?!

A análise do discurso mostra sua recorrência no apelo: “a política fiscal brasileira tem buscado gerar convergência nas expectativas dos agentes de mercado”. Outro lugar-comum é: “o objetivo é estruturar um regime fiscal crível de modo a promover consistência intertemporal”.

É incrível como a Economia da Confiança insiste na repetição do adjetivo “crível”! “Um governo crível influencia as taxas de juros e de câmbio, e estas, por sua vez, determinam mudanças nas expectativas sobre a inflação”. A retroalimentação positiva viria dessas variáveis para a sustentabilidade da dívida pública e o nível do esforço de ajuste fiscal.

O oposicionista de direita reclama da alternância democrática de poder:  “seria ideal o governo federal ser crível quando anunciasse regras fiscais, como o Arcabouço Fiscal”. É uma ladainha monótona publicada exclusivamente no jornalismo econômico brasileiro: “se houvesse credibilidade nesses anúncios, os agentes econômicos tomariam decisões menos ineficientes”. Argh

Apela ao jargão anglicista de neoliberal colonizado: “em um período de risk-off no mercado global se esperaria sinais domésticos de mais austeridade fiscal”. Não deixa de escrever outro lugar-comum: “a atual política fiscal não consegue ancorar as expectativas dos agentes de mercado e não contribui para o Banco Central reduzir mais intensamente as taxas de juros”.

A ação discricionária ou arbitrária do “coitado” do Banco Central do Brasil é apresentada como uma reação passiva ou automática de um mecanismo. Incrível!

Enfim, o “pastor” prega “um esforço fiscal adicional, a fim de induzir a convergir as expectativas de O Mercado [sobrenatural por ser onipresente, onipotente e onisciente] ao anunciado pelo governo”. Tem a desfaçatez de concluir citando a Bíblia!

Conclama “a necessidade de retomar a agenda de reformar as despesas obrigatórias (“Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Deus” – Gálatas 6:2), sem a qual não conseguiremos conviver com taxas reais de juros baixas, como as observadas no triênio 2017-2019, as quais ampliaram as perspectivas de florescimento de novos negócios e de maior crescimento econômico”. O economista-chefe não vive em um “mundo paralelo”, onde só ele viu esse sucesso econômico do governo Temer?!

Essa linha de pensamento novo-clássica dá ênfase total às variáveis subjetivas, como confiança e expectativa. Faz isso em detrimento das variáveis objetivas dos indicadores econômicos e projetos de investimento em longo prazo.

Entre suas razões subjacentes, ela reduz as decisões das empresas e instituições financeiras a dos seres humanos, influenciados por fatores emocionais e psicológicos, como confiança, otimismo e expectativa. Daí essas variáveis subjetivas desempenhariam o papel-chave nas decisões econômico-financeiras em lugar dos indicadores econômicos objetivos.

Em um ambiente econômico caracterizado pela incerteza e complexidade, as variáveis subjetivas, pressupostamente, seriam cruciais na tomada de decisões. Os indicadores econômicos objetivos, ao contrário, forneceriam apenas uma visão parcial da realidade, afetada por múltiplos fatores não mensuráveis.

Nesse “psicologismo econômico”, as expectativas e a confiança dos agentes econômicos são usadas (e abusadas) como ferramentas para interpretar e lidar com a incerteza. Esta se dá acerca da resultante futura das interações entre decisões diversificadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras.

As variáveis subjetivas, como confiança e expectativa, teriam um impacto decisivo nos mercados financeiros e na economia como um todo. Mudanças na confiança dos investidores financeiros levariam a movimentos significativos nos preços dos ativos e, em consequência, na riqueza, mesmo não havendo uma mudança correspondente nos indicadores econômicos objetivos, como ocorre agora na economia brasileira com bons indicadores de inflação, crescimento e emprego.

Os adeptos da Economia da Confiança insistem em dizer: até em projetos de investimento em longo prazo, as variáveis subjetivas são importantes, pois refletem a visão estratégica e a confiança dos acionistas em relação ao ambiente econômico futuro. Daí, embora os indicadores econômicos objetivos forneçam informações precisas sobre o ambiente atual, as expectativas e a confiança influenciariam as decisões de investimento em relação ao cenário futuro.

Condenam as limitações dos indicadores econômicos objetivos por não capturarem completamente a dinâmica econômica, devido às mudanças nas expectativas dos agentes econômicos. Já as variáveis subjetivas forneceriam informações adicionais e insights sobre o comportamento econômico.

Infelizmente, na formação ortodoxa da maioria dos economistas, o holismo metodológico, para analisar sistemas complexos com base em indicadores objetivos, ainda não superou o individualismo metodológico com suas variáveis subjetivas. Pode-se alegar tanto um método de análise econômica quanto o outro ter suas vantagens e limitações na análise de sistemas complexos.

A abordagem do holismo metodológico – “a verdade é o todo” (Hegel) – enfatiza a compreensão de sistemas complexos como um todo integrado, em vez de se concentrar apenas em partes individuais. Reconhece esses sistemas exibirem comportamentos emergentes não possíveis de ser reduzidos apenas à soma de suas partes componentes.

O holismo metodológico valoriza a análise de interações, conexões e padrões sistêmicos, usando indicadores objetivos para capturar esses aspectos. No entanto, reconhece a importância de variáveis subjetivas, como crenças, valores e percepções, na dinâmica de sistemas complexos, quando troca a análise top-down (de cima para baixo), iniciada com dados macroeconômicos amplos, e os desagrega para entender seu impacto em nível individual em uma direção inversa da análise. A análise bottom-up (de baixo para cima) começa com detalhes específicos e os agrega para entender tendências mais amplas.

O individualismo metodológico se concentra nas partes individuais componentes de um sistema complexo, focando as ações e decisões dos agentes individuais. Ele valoriza a análise das escolhas racionais, as quais deveriam ser feitas pelos indivíduos, e de seu impacto na dinâmica do sistema como um todo.

Costuma se basear em variáveis subjetivas, como preferências, expectativas e comportamento humano, para explicar os resultados observados. Deveria incorporar também os indicadores objetivos, especialmente ao analisar o desempenho macroeconômico e os resultados de políticas públicas.

Ambas as abordagens têm suas limitações. O holismo metodológico pode ter dificuldade em capturar a complexidade de subsistemas e operacionalizar a sua análise empírica por meio de decisões. Por sua vez, o individualismo metodológico subestima a resultante inesperada das interações e relações entre as partes de um sistema no cenário emergente, por exemplo, de uma adequada política anticíclica.

Portanto, um economista bem formado tem de fazer uma abordagem integrada na qual combine elementos do holismo e do individualismo metodológico na análise de sistemas complexos. Deve integrar variáveis objetivas e subjetivas e adotar uma abordagem multifacetada, levando em consideração tanto os aspectos sistêmicos quanto os comportamentais na sua análise econômico-financeira.

A credibilidade da política fiscal afeta a percepção dos investidores estrangeiros em relação ao país apenas no caso do endividamento externo. Reservas cambiais fortalecem a confiança deles e contribui para a atratividade do país como destino de investimento. Manter a credibilidade no risco soberano dos títulos de dívida pública requer transparência, consistência, responsabilidade e capacidade de implementação das políticas fiscais anunciadas pelo governo como faz o atual.

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