Fragilidades das previsões do Focus e do Copom
As projeções e cenários utilizados pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central
do Brasil são consistentes com a realidade posteriormente verificada?
Por César Locatelli *
Políticas que confiam muito fortemente em inobserváveis
podem, com frequência, terminar em lágrimas.
Athanasios Orphanides
O atual modelo de decisão da taxa de juros básica da economia brasileira, a taxa Selic, é, primordialmente, influenciado por previsões de inflação, de resultado das contas públicas etc. Tais projeções são feitas por agentes do mercado financeiro, conhecido por boletim Focus, e pelo próprio Comitê de Política Monetária, o Copom. Seriam elas consistentes com a realidade posteriormente verificada? As previsões de inflação forneceriam pistas sobre as inflações realmente verificadas nos meses ou anos que se seguiram?
Esses questionamentos sobre a aderência das projeções e cenários à realidade e em que medida agregam novas e úteis informações para a tomada de decisões de política monetária direcionaram o estudo Fragilidades das previsões do Focus e do Copom, publicado pela revista Pesquisa & Debate, do Programa de Pós-Graduação em Economia Política da PUC-SP.
A avaliação pretendida se deu a partir da simples comparação entre os cenários que embasaram as decisões de política monetária e a realidade que se sucedeu. Foram selecionadas 34 atas de reuniões do Copom, de dezembro de 2018, até janeiro de 2023. Para cada ata do Copom foram avaliados também dois outros relatórios imediatamente anteriores a cada reunião, também produzidos de Banco Central do Brasil.
A Resenha do Demad (Departamento de Operações do Mercado Aberto) é semanal e traz dados dos leilões primários de títulos públicos, das operações de swap cambial, das operações definitivas do mercado secundário de títulos públicos e das operações compromissadas que tenham o BC como contraparte. Além disso, a resenha Demab mostra a curva de juros baseada em dados das operações de swap DI x Pré cursadas na B3.
O Focus Relatório de Mercado, também semanal, compila as expectativas de agentes selecionados do mercado, especialmente financeiro, sobre inflação, câmbio, PIB, taxa Selic etc. para os anos corrente e futuros.
Avaliação das previsões
A Tabela 1 foi construída com dados do Focus Relatório de Mercado, publicado semanalmente pelo Banco Central do Brasil. As linhas correspondem a cada reunião do Copom e mostram um número de ordem, o número da reunião, o mês e ano da reunião, o centro da meta vigente na data e s decisão de taxa de juro tomada na reunião. No espaço superior da tabela é mostrado o IPCA efetivamente registrado pelo IBGE para cada ano. Os dados, nas linhas correspondentes a cada reunião do Copom estudada, são as expectativas do boletim Focus para cada ano.
Podemos ver, por exemplo, como evoluiu a expectativa para o IPCA de 2021: em dezembro de 2018 e durante todo o ano 2019, esperava-se um IPCA de 3,75% para 2021. Ao longo de 2020, a expectativa caiu até 3,00%, em meados do ano, e fechou o ano em 3,34%. A expectativa no início de 2021 era 3,43% e foi subindo rapidamente até 10,18% em dezembro de 2021. A inflação em 2021, medida pelo IBGE, foi 10,06%.
Exemplo: reunião do Copom número 238, maio de 2021
Entre os diversos exemplos reunidos nos estudos, ressalta-se a Reunião do Copom número 238, de maio 2021. A meta de inflação vigente naquele momento era de 3,75% +/- 1,5% e a decisão unânime foi elevação da taxa de 2,75% para 3,5%. A pandemia mais intensa do que o antecipado contrastava com o crescimento da economia brasileira. Esse era o clima dessa Reunião 238.
Como de costume, a ata apresentou, logo no começo, o resultado da mais recente pesquisa Focus, de 30 de abril de 2021:
“As expectativas de inflação para 2021, 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 5,0%, 3,6% e 3,25%, respectivamente.” As taxas de inflação, medidas pelo IPCA, efetivamente calculadas para 2021 e 2022 foram 10,06% e 5,79%. Assim, para 2021, a divergência entre a inflação prevista pelo Focus e a real foi de 5,06 pontos percentuais. A inflação real foi mais que o dobro daquela prevista pelos analistas do mercado financeiro alguns meses antes de terminado o ano.
O relatório Focus trazia ainda a previsão de taxa Selic para o fechamento de 2021 e 2022: 5,50% e 6,25%. As taxas que efetivamente vigoravam no fim de 2021 e 2022 foram 9,25% e 13,75%. Desvios que representam 68% e 120%, no primeiro caso faltavam oito meses para o final da apuração do IPCA e no segundo 20 meses.
As taxas de câmbio esperadas pelos analistas de mercado que formam as expectativas reveladas pelo boletim Focus eram R$5,40 para os dois finais de ano. Efetivamente, a taxa de câmbio fechou 2021 em R$5,58 e em R$5,22 no ano seguinte. Discrepâncias bem pequenas na taxa de câmbio, entre o previsto e o real, em comparação com aquelas da taxa de juros e inflação.
O que dizia o cenário básico do Copom?
“No cenário básico, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de R$5,40/US$, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 5,1% para 2021 e 3,4% para 2022.”
As diferenças entre a projeção do modelo do Copom e a inflação real foram 4,96 pontos percentuais para 2021 e 2,39 para 2022. O que equivale a dizer que em 2021 a inflação foi 97% superior àquela que previa o Copom em maio de 2021 e 70% superior à de 2022. “Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 8,4% para 2021 e 5,0% para 2022”, acrescentou a ata. Os preços administrados subiram, de fato, 16,9% em 2021 e caíram 3,82 em 2022. Os percentuais de desvio foram, dessa forma, 101% e 175%.
O mercado de títulos públicos e o de swap DI x Pré traziam sinais que não combinavam com essa elevação de 75 pontos base na taxa Selic, de 2,75% para 3,50%?
A curva de juros, de 30/04, estava muito íngreme, saía de 2,75% para 3,27% em 1 mês, para 4,30% em 6 meses, para 5,22% em 1 ano e 6,62% em dois anos. A LTN mais curta, 1/7/22, saiu a 5,67%. Aparentemente, havia sinais de que, no jargão do mercado financeiro, o “Copom estava correndo atrás do mercado”. Em outras palavras, as atuações do Copom referendavam, com atraso, o que o mercado já embutia nos preços. O Copom reconheceu isso ao afirmar que “o Comitê avaliou que na próxima reunião seria adequado outro ajuste da mesma magnitude”.
O estudo ressalta que não foram abordados diversos problemas que precisam ser abordados para que venhamos a ter, no futuro, uma condução da política monetária mais eficiente e que cause menos transtornos ao emprego. E conclui que:
“A prioridade, contudo, estabelecida para este exercício foi trazer ao centro do palco a questão da técnica em contraposição a questão da política. As frágeis previsões formuladas pelo relatório Focus e pelo Copom evidenciam que as decisões sobre a taxa básica de juros são tomadas em estado de cabal incerteza.
Não se pode conferir qualquer credibilidade a um modelo, um método ou uma calculadora de qualquer natureza que parta de projeções tão desprovidas de relação com a realidade. A disjuntiva que se apresenta é encontrar métodos mais eficientes de construção de cenários ou aceitar-se o caráter eminentemente político da decisão da taxa de juros básica da economia e arcar com as decorrências dessa constatação.”
Nota: Estão disponíveis, no link a seguir, este e outros artigos que compõem a presente edição da revista Pesquisa e Debate, do Programa de Pós-Graduação em Economia Política da PUC-SP.
* César Locatelli, mestre em economia política pela PUC-SP, jornalista independente e doutorando do programa de Economia Política Mundial na UFABC. É coordenador para São Paulo da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia. E-mail: [email protected]