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Petróleo e parlamento encurralam política ambiental no Brasil

Petróleo e parlamento encurralam política ambiental no Brasil

Fenômeno da Pororoca é como se chama o encontro das águas de um rio com as do mar, como o caso acima do rio Amazonas com o Oceano Atlântico, em imagem aérea no litoral do Amapá, extremo norte do Brasil. Nas enchentes, a água doce invade até 200 quilômetros mar adentro. (Imagem: Greenpeace Brasil)

A vulnerabilidade do ambientalismo aos interesses econômicos se tornou dramática para o governo brasileiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acuado pelas pressões antiambientalistas do legislativo do Congresso Nacional e pelas tentações do petróleo na costa amazônica.

POR MARIO OSAVA

A vulnerabilidade do ambientalismo aos interesses econômicos se tornou dramática para o governo brasileiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acuado pelas pressões antiambientalistas do legislativo do Congresso Nacional e pelas tentações do petróleo na costa amazônica.

O governo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) negou no dia 17 de maio a autorização solicitada pelo grupo estatal Petrobras para perfurar um poço exploratório offshore a 175 quilômetros da costa atlântica do Amapá, estado do extremo norte do Brasil na fronteira com a Guiana Francesa, com 880.000 habitantes.

A decisão gerou uma onda de protestos, principalmente de políticos do Amapá, e dividiu o governo, colocando a Petrobras, o Ministério de Minas e Energia e líderes legisladores pró-governo contra o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.

O líder da frente partidária que apoia o governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, senador pelo Amapá, deixou o partido Rede Sustentabilidade. Rompeu, assim, com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e acusou o Ibama, órgão subordinado à ministra, de discriminar seu estado, impedindo o uso de suas riquezas, sem ouvir a população ou o governo local.

O cerco a Marina Silva, ícone do ambientalismo, intensificou-se no Congresso.

Uma comissão de deputados e senadores, criada para examinar e ratificar a reestruturação e ampliação dos ministérios instaurados por Lula, recomendou no dia 24 de maio a destituição de seu cargo da Agência Nacional de Água e Saneamento Básico e do Sistema Nacional do Rural e sua transferência para outras carteiras.


“O ambientalismo desaparece quando o dinheiro aparece”
Claudio Szlafsztein

Além disso, seu ministério perderia os sistemas de informação sobre saneamento e resíduos sólidos, também essenciais na gestão ambiental do país.

Essas medidas ainda dependem de votação no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado, mas formou-se uma aliança antiambiental tão ampla que é difícil uma reversão.

Silva disse que resistirá a divergências internas “naturais” em um governo de frente ampla, embora encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores de Lula, de esquerda.

O presidente, por sua vez, disse apenas que essas divergências serão resolvidas pelo diálogo e pela política, embora reconhecendo a decisão “técnica” do Ibama, que se impõe até que a Petrobras conclua seus estudos e propostas para demonstrar a “sustentabilidade” do projeto.

A ofensiva antiambiental se estendeu ao novo Ministério dos Povos Indígenas, que deixaria de estabelecer a demarcação das terras indígenas, principal razão de sua criação pelo presidente Lula quando assumiu o governo em 1º de janeiro. Essa tarefa deve retornar ao Ministério da Justiça, recomendou a Comissão.

A possibilidade, temporariamente suspensa, de exploração de petróleo na chamada Bacia da Foz do Amazonas, que compreende o litoral dos estados do Amapá e do Pará, ilustra as dificuldades políticas de defesa ambiental no Brasil.

“O ambientalismo desaparece quando o dinheiro aparece”, disse Claudio Szlafsztein, professor da Universidade Federal do Pará.

As regulamentações ambientais são impopulares na Amazônia, diz o professor universitário e geólogo Claudio Szlafsztein, porque estão repletas de “nãos”. Não dá para desmatar mais de 20% das propriedades, nem para cana, nem para mineração quase sempre. Reflete a fragilidade política do ambientalismo no ecossistema do norte do Brasil. Imagem: Cortesia de Claudio Szlafsztein.

Queixa amazônica

Mas na Amazônia, a população tem outros motivos para reclamar.

“Tudo é proibido aqui. O código florestal proíbe o desmatamento de 80% das propriedades rurais, que é a reserva legal. Isso só na Amazônia. A cana-de-açúcar não pode ser cultivada e a mineração é restrita. A população e sua economia são sacrificadas em termos de objetivos nacionais e planetários”, observou a geóloga de origem argentina e doutora em geografia, que mora em Belém, capital do Pará, há 28 anos.

Para os defensores da extração de petróleo pretendida pela Petrobras, não é justo que ela seja feita no mar nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, mas não no Amapá, disse à IPS daquela cidade.

Se priva assim dos royalties da produção petrolífera aos pobres de uma rigão onde tudo é precário, a educação, a saúde, o transporte e os empregos.

Mas essa polêmica do petróleo “não faz parte do cotidiano da população local”, embora seja “velha”, disse Szlafsztein. A licitação para exploração na chamada Foz do Amazonas aconteceu em 2013 e empresas de vários países e a Petrobras adquiriram o direito de explorar 14 blocos (áreas).

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A licitação foi feita para toda a chamada Margem Equatorial, uma faixa marítima de 2.200 quilômetros que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte, no nordeste do Brasil. Mas o interesse das petroleiras se concentrou na foz do Amazonas.

Diante da dificuldade de obtenção de licenças ambientais para suas atividades, petroleiras como a British Petroleum e a francesa Total desistiram do projeto, então desde 2021, a Petrobras ficou sozinha.

O consórcio estatal solicitou licença para abrir um poço exploratório no chamado bloco 59 e argumenta que basta confirmar se de fato há petróleo em quantidade e qualidade para avaliar a viabilidade econômica. Em seguida, a licença de extração seria solicitada, se fosse o caso.

Imagem subaquática dos corais da foz do rio Amazonas, no Oceano Atlântico, feita durante a expedição do Greenpeace à bacia em 2017, um ano após a descoberta científica do Grande Sistema de Recifes da Amazônia, cuja extensão estimada é de 56 mil quilômetros quadrados, 30 % maior que a Holanda. (Imagem: Greenpeace Brasil).

Riscos

Ninguém faz tal investimento, exceto para produção comercial, e a bacia apresenta muitos riscos ambientais, especialmente se ocorrer um derramamento de óleo.

Um desses riscos é a possibilidade de afetar o Grande Sistema de Recifes da Amazônia, estimado em cerca de 56.000 quilômetros quadrados na foz do Amazonas, segundo Enrico Marone, geólogo e porta-voz de Oceanos do Greenpeace Brasil.

Trata-se de “uma grande descoberta científica de 2016”, muito recente e, portanto, “pouco estudada, na qual o princípio da precaução deve ser aplicado”, disse Marone à IPS de Parati, balneário a 260 quilômetros do Rio de Janeiro.

O Greenpeace, organização ambientalista internacional, promoveu uma expedição para estudar e registrar imagens desse sistema em 2017.

“Além dos recifes de corais, a região tem o maior cinturão contínuo de mangue do mundo, com 7.400 quilômetros quadrados, no litoral do Amapá ao Maranhão”, estado que fica entre o Norte e o Nordeste do Brasil, destacou o ativista ambiental.

As fortes correntes oceânicas locais estabelecem uma “conexão ecológica” com o Caribe que pode levar a eventual contaminação do mar do Amapá, disse.

Há indícios de que o grande aumento do sargaço nas praias do Caribe e até do México se deve aos nutrientes presentes nos sedimentos do rio Amazonas.

Paisagem típica do litoral do Amapá, extremo norte do Brasil, com o mar invadindo a mata. São planícies arborizadas próximas a praias muito barrentas, produto da grande quantidade de sedimentos acumulados pelos rios Amazonas em sua foz no Oceano Atlântico, no sul do estado. (Imagem: Greenpeace Brasil).

Acidentes sem resposta adequada

Um possível derramamento de óleo pode causar um desastre ambiental e humanitário no Amapá, alertou o professor universitário Szlafsztein. As estradas ficam intransitáveis em certas épocas do ano, todos os transportes são precários e dificultariam o socorro ou a transferência de populações isoladas.

A costa é quase sempre alagada, lamacenta, manguezal e inacessível para barcos, exceto para pequenos barcos de pesca, por exemplo. É inadequado para a construção de portos para navios, principalmente petroleiros, explicou.

Dessa forma, “uma resposta emergencial”, caso ocorra um vazamento onde a Petrobras quer fazer seu primeiro poço exploratório, teria que partir do porto de Miramar, em Belém, a mais de 500 quilômetros de distância, ou 43 horas de navegação, segundo os estudos do Ibama.

A insistência da Petrobras na região se deve ao potencial estimado de jazidas que permitiriam a extração de 10 bilhões de barris de petróleo, segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Quase se equipara aos US$ 12 bilhões da camada pré-sal, a grande fonte do petróleo brasileiro no mar profundo, na costa dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Os novos estudos que a Petrobras anunciou para reiterar o pedido de licença ambiental podem demorar mais alguns anos, porque o Ibama exige uma análise estratégica de toda a bacia ou Margem Equatorial.

Nesta marcha, se todas as etapas forem seguidas, a produção poderá começar por volta de 2035, quando a demanda por petróleo deverá estar baixa ou em declínio, dadas as metas globais de redução de gases de efeito estufa para combater a crise climática, argumentou o ambientalista Marone.


Artigo originalmente publicado na Inter Press Service.

Tradução: Tatiana Carlotti

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