Os mercenários e a economia universal da infâmia
Mercenários foram sempre foras da lei em todos os países do mundo, mas, com o aparecimento das empresas militares privadas, passaram a ter uma atividade reconhecida no ramo da prestação de serviços.
POR CELSO JAPIASSU
Mercenários foram sempre foras da lei em todos os países do mundo, mas, com o aparecimento das empresas militares privadas, passaram a ter uma atividade reconhecida no ramo da prestação de serviços.
Essas empresas encaram a guerra como oportunidade de negócio.
A literatura e o cinema dão-lhes vestimenta de heróis. As histórias de ficção romantizaram mercenários e com eles costumam criar personagens heroicas em situações limite. Mas no mundo real os mercenários são apenas soldados de aluguel, sem ideologia nem patriotismo, encarregados do trabalho mais sujo na sujeira das guerras. Eles marcaram presença na guerra da Ucrânia como integrantes do Grupo Wagner, do Batalhão Azov e da multinacional americana Blackwater, empresa inteiramente dedicada ao negócio da guerra. Em todas as guerras existem ações criminosas que não são assumidas por nenhum dos lados em conflito. São, quase sempre, obra deles, os mercenários.
Mercenários são diferentes dos voluntários. Um é contratado e pago para lutar por um país enquanto o outro escolhe um lado e se alista para ir à guerra.
Os mercenários das guerras atuais abandonaram a clandestinidade. São hoje agentes de multinacionais como a Blackwater, (depois denominada Academi, hoje Constellis) DynaCorp International ou a Triple Canopy que, além de fornecerem soldados para as guerras travadas em qualquer parte do mundo, prestam também serviços de segurança, guarda-costas ou de simples vigilância. Na invasão e destruição do Iraque pelos EUA, 236 empresas de soldados mercenários foram contratadas pelo governo estadunidense. Além daquelas já nomeadas, entre as mais conhecidas estão as britânicas G4S e Aegis Defence Services.
O professor Mamadou Alpha Diallo, professor de Relações Internacionais da Unila (Universidade Federal de Integração Latino-Americana) observa que mercenários sempre existiram na história desde os tempos bíblicos e que a ideia de um exército mobilizado pelo Estado permanentemente veio muito mais tarde. Os estados contratavam combatentes e, depois da guerra, desmobilizava-os.
Um novo mercado
As companhias militares privadas, como são chamadas as empresas que oferecem mercenários, tiveram forte impulso durante e depois da Guerra Fria e com as guerras no Iraque e no Afeganistão. Além dos serviços de guerra e segurança, são também suspeitas de contratos para a realização de ações clandestinas, atentados, sabotagens e destruições. A guerra da Ucrânia abriu-lhes um novo e próspero mercado pela quantidade de dinheiro investido no conflito pela OTAN, Estados Unidos e União Europeia. Outros grandes mercados são representados pelos rotineiros golpes de estado na África e na América Latina.
Os mercenários foram sempre foras da lei em todos os países do mundo, mas, com o aparecimento das empresas militares privadas, passaram a ter uma atividade reconhecida no ramo da prestação de serviços.
Essas empresas encaram a guerra como oportunidade de negócio. A mais conhecida delas é a tristemente famosa Blackwater (Academi, Constellis), por conta do massacre que promoveu em 2007 no Iraque, quando foram mortos 17 civis e feridos outros 20 na Praça Nisour, no centro de Bagdá. Foi fundada em 1996 por Alfred Clark e Erik Prince, ambos ex-oficiais da força especial SEAL da Marinha americana, hoje bilionários. Mudou várias vezes de nome (Xe Services, Academi) e opera hoje com o nome de Constellis (www.constellis.com). Pertence atualmente a um grupo de investidores privados e tem contrato de longo prazo com a CIA e o Departamento de Estado.
O Grupo Wagner foi fundado em 2014 e pertenceu ao magnata russo Yevgeny Prigozhin, morto num suspeito desastre de aviação. Seu comandante militar é Dmitry “Wagner” Valeryevich Utkin. O grupo já esteve envolvido em eventos na Síria, Donetsk, Lugansk, Sudão, Irã, Venezuela, Moçambique e vários outros países e lugares do mundo. Tem forte ligação com o governo russo. Conta com 50 mil soldados disponíveis. É acusado de ser neonazista e de ter cometido inúmeros crimes de guerra em todos os países onde tem atuado. O codinome “Wagner” é inspirado em Richard Wagner, compositor preferido de Adolf Hitler.
Em 2020 foram reveladas conexões entre Constellis e o Grupo Wagner. Constellis atuou como subcontratada do Grupo Wagner em conflitos militares na Líbia e em Moçambique.
Privatização do Estado
O aparecimento das empresas militares privadas é fruto do neoliberalismo que adquiriu força depois das reformas de Margaret Thatcher na Inglaterra e as oportunidades que daí surgiram para o fortalecimento do capitalismo internacional. O desempenho eleitoral da direita política também tem atuado para a desvalorização das funções do Estado e a entronização das teorias privatistas.
O surgimento de novas nações em processos muitas vezes conflituosos foram alguns dos fatores que contribuíram para o florescimento deste novo mercado. A violência deixou de ser monopólio do Estado, foi privatizada e transformada em um negócio que movimenta centenas de milhões de dólares. Junto com a indústria e o comércio de armas, transformou-se na poderosa economia universal da infâmia.
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).