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América Latina retarda reconhecimento de terras indígenas

América Latina retarda reconhecimento de terras indígenas

Manifestação no Rio de Janeiro, Brasil, contra o então presidente Jair Bolsonaro, que durante seu mandato cortou proteções para comunidades indígenas e seus territórios. (Crédito: Cintia Erdens Paiva / Alamy).

A América Latina tem sido líder no reconhecimento legal dos direitos à terra e à floresta para as comunidades, mas “desde 2015, a região passou por um período de estagnação”, analisa Chloe Ginsburg, da Rights and Resources Initiative (RRI). A ameaça foi mais pronunciada no Brasil durante o (des)governo Bolsonaro (2019-2022).

POR FERMÍN KOOP

BUENOS AIRES – A América Latina está atrasada na titulação coletiva e no reconhecimento legal dos direitos territoriais para os povos indígenas, afrodescendentes e comunidades locais, conforme novo relatório da Rights and Resources Initiative (RRI), uma coalizão de mais de 150 organizações.

Globalmente, as comunidades obtiveram reconhecimento legal para 102,8 milhões de hectares entre 2015 e 2020.

Na América Latina, em 2020, a área total com reconhecimento legal comunitário atingiu 21 milhões de hectares. Isso representa menos de 1% do total de terras nos 16 países latino-americanos incluídos no relatório, um progresso lento considerando os recentes movimentos positivos da região em relação aos direitos à terra. Mesmo em áreas reconhecidas, as comunidades enfrentam insegurança na posse da terra devido às invasões.

O relatório conclui que, nos 16 países latino-americanos analisados, cerca de 79% das terras são propriedade estatal ou privada. Enquanto isso, 17,6% são de propriedade de comunidades afrodescendentes ou indígenas e 3,2% foram destinados ao uso coletivo dessas populações.

As áreas de uso coletivo aumentaram quatro milhões de hectares, passando de 3% em 2015 para 3,2% em 2020. Ao mesmo tempo, as terras efetivamente pertencentes a essas comunidades cresceram 17 milhões de hectares, passando de 16,7% para 17,6%.

“A América Latina tem sido líder no reconhecimento legal dos direitos à terra e à floresta para as comunidades. Mas desde 2015, a região passou por um período de estagnação”, afirma Chloe Ginsburg, analista de regularização fundiária da RRI, ao Diálogo Chino. “Isso ocorre porque os governos relutam em proteger os direitos das comunidades”, sustenta.

Os seis países mesoamericanos incluídos no relatório, bem como nove dos 10 países sul-americanos, têm pelo menos um marco legal para reconhecer os direitos coletivos de posse da terra. No entanto, os governos não estão aplicando corretamente essas estruturas, alerta o relatório, em meio a ameaças aos líderes comunitários das indústrias extrativas.

A região mesoamericana compreende os territórios da Nicarágua, Honduras, El Salvador, Guatemala, Belize e partes da Costa Rica e do México. Foi por milhares de anos o lar de povos como os olmecas, zapotecas, maias, toltecas e astecas.

Na Costa Rica, Levi Sucre Romero, líder indígena que lidera a rede Ribca, que reúne e representa oito comunidades, disse ao Diálogo Chino que o governo não está cumprindo a Lei Indígena promulgada há mais de 40 anos. “Temos um problema sério de conflitos e violência devido à inação do governo”, acrescentou.

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Desafios da América Latina em relação às terras indígenas

Mesmo em áreas já reconhecidas legalmente, muitas comunidades experimentaram insegurança fundiária durante a meia década em análise devido a invasões ilegais, mas descontroladas, de seus territórios coletivos, às vezes até incentivadas pelos governos. A ameaça foi mais pronunciada no Brasil, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro cortou as proteções para as comunidades indígenas.

As comunidades também tiveram que travar batalhas legais para proteger suas terras. No Peru, comunidades indígenas da Amazônia e dos Andes entraram com ações judiciais para se opor a projetos de petróleo e mineração concedidos sem a devida consulta. Na Guatemala , as comunidades que receberam concessões de terras na década de 1990 tiveram que montar uma defesa sustentada para conseguir a renovação de suas concessões.

Defender as terras comunitárias também custou a vida dos defensores da terra, mais na América Latina do que em todas as outras regiões juntas. Entre 2012 e 2021, 1.733 defensores da terra e do meio ambiente foram mortos em todo o mundo, e 1.155 (66%) deles na América Latina, conforme o último relatório da Global Witness.

“Existe um reconhecimento global de que precisamos expandir os direitos de posse da comunidade para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável, o Acordo de Paris (sobre mudança climática) e a nova estrutura de biodiversidade. E embora tenha havido progresso globalmente, a escala e o ritmo do levantamento de terras são insuficientes para atingir essas metas globais”, disse Ginsburg.

No entanto, vários casos de sucesso se destacam na região. No Panamá, um caso da Suprema Corte reconheceu os direitos do povo indígena Naso Tjër Di sobre mais de 160.000 hectares de terra, e na Guiana o governo reconheceu a Área Protegida dos Ameríndios Kanashen, a primeira do gênero no país, cobrindo 3% da área nacional.

Em vários países latino-americanos, as comunidades também obtiveram vitórias importantes nos tribunais, mas ainda não se traduziram em mudanças na prática. Por exemplo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu a favor dos direitos territoriais de comunidades na Argentina, Suriname e Honduras, mas nenhuma dessas decisões foi aplicada pelos governos.

“Os governos acham que os combustíveis fósseis e a energia hidrelétrica tirarão as pessoas da pobreza e estão visando terras adequadas para esses projetos, que geralmente são nossas”, disse Sucre.

E acrescentou: “Na América Latina temos leis suficientes para ampliar os direitos de posse das comunidades. O que precisamos é que sejam aplicados e que os governos não priorizem os interesses econômicos sobre as nossas vidas”.

Este artigo foi originalmente publicado na plataforma de informações Diálogo Chino republicado na Inter Press Service.

(Tradução: Tatiana Carlotti)

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