Bangladesh caminha para uma ditadura?

Bangladesh caminha para uma ditadura?

China e a Índia parabenizaram o governo pela vitória, mas vários países ocidentais consideraram insatisfatórias as eleições parlamentares ocorridas no último dia 7.

POR SAIFULLAH SYED

ROMA – As eleições parlamentares realizadas em Bangladesh em 7 de janeiro de 2024 criaram muita polêmica no país, e foram consideradas por muitos uma “eleição do governo da Liga Awami (Awami League ou AL), pelo governo da AL e para o governo da AL”.

Internacionalmente, a China e a Índia parabenizaram o governo pela vitória e pela organização de uma eleição justa. No entanto, vários países ocidentais a consideraram insatisfatória. Independentemente das opiniões diversas, todos concordaram que não se tratou de uma eleição participativa. A presença dos eleitores foi baixa e boicotada pelo principal partido de oposição: o Partido Nacional de Bangladesh (BNP).

Antes da eleição, os Estados Unidos e vários países ocidentais apontaram que haveria consequências se houvesse falhas na realização de uma eleição justa e livre. Em consequência, os analistas políticos de Bangladesh estão preocupados, com prováveis ​​implicações da eleição na economia e, em particular, na indústria têxtil.

A resistência internacional é uma preocupação legítima. Bangladesh pode estar inadvertidamente caminhando para uma ditadura sob o domínio de um partido. Analistas sugerem que Sheikh Hasina está se tornando uma governante autoritária ao se projetar defensora da democracia e a AL como garantidora única da independência, da soberania e do secularismo. Os demais estariam ali para tornar o país um terreno fértil para o extremismo islâmico. Tais justificativas, aludindo ao direito moral de governar, são ingredientes perfeitos para o caminhar sonâmbulo rumo à ditadura.

As ditaduras de um partido geralmente são mais estáveis ​​e perversas, e as eleições podem legitimá-las, apresentando uma imagem de democracia.

A história ensina que o domínio de um partido ou uma ditadura vai contra os valores básicos bengalis. No entanto, movimentos bem-sucedidos para impedi-lo só podem ser propostos a partir da compreensão do porquê e de como isso está acontecendo.

Democracia em Bangladesh

Bangladesh iniciou o sistema de Governo Provisório Não Partidário (CGT) para conduzir as eleições, conforme exigido pela AL, em 1991. Segundo todas as análises, a eleição de 1991 foi justa; e o CGT funcionou satisfatoriamente também na realização das eleições de 1996 e de 2001. Curiosamente, em 1991, o BNP venceu. Em 1996, o AL venceu. Em 2001, o BNP venceu novamente.

O que deu errado depois? O sistema enfrentou dificuldades em 2006 devido à recusa do BNP em seguir as regras que regem o CGT. Isso levou à crise política de 2006-2008 e colocou os militares no poder.

Em 2008, no entanto, uma eleição justa foi realizada e a AL obteve uma vitória avassaladora. A partir daí, a AL se fortaleceu e, em 2011, ela aboliu o sistema CGT. Em resposta, o BNP começou um movimento para restaurar o CGT e passou a se recusar a participar das eleições, enquanto isso não acontecer. A AL se recusa obstinadamente a reintroduzir o CGT, afirmando ser inconstitucional.

O desafio central enfrentado pelo nosso sistema democrático é duplo: como convencer a AL a introduzir o CGT? Ou como convencer o BNP a participar das eleições sob o governo vigente? Esses desafios podem parecer facilmente resolvíveis por meio do diálogo. Infelizmente, os dois partidos estão mergulhados em profunda animosidade.

Para AL, o fundador do BNP está ligado ao cruel assassinato do fundador de Bangladesh e de sua família; e o atual líder do BNP é acusado de ser o mentor do ataque com granadas a um comício da AL em 21 de agosto de 2004, que matou 24 pessoas e feriu cerca de 200. O BNP, por sua vez, confia zero na AL e considera o abandono da atual líder do partido, Begum Khaleda Zia, conhecida por Zia, uma ameaça existencial.

A sociedade civil ou a comunidade internacional podem mediar uma solução? Infelizmente, a sociedade civil está fragmentada ao longo de linhas partidárias e já perdeu, em boa parte, a capacidade de neutralidade ao longo da crise de 2006-2008, quando outros componentes entraram na discussão política. A comunidade internacional também está dividida entre Oriente e Ocidente, e uma grande maioria no país acredita que seu apelo à democracia é motivado por interesses geopolíticos.

Quem piscará primeiro?

Julgando pelo passado, nenhum dos dois provavelmente cederá sob a liderança atual. Portanto, para salvar a democracia em Bangladesh, todos os envolvidos precisam sair da hibernação e construir um consenso nacional. A liderança do BNP deve responder às acusações e enfrentar as consequências. Seus líderes devem garantir que, em vez de subordinação servil, a sociedade civil deva perder a coloração política e a influência dos ‘financiadores’, e a comunidade internacional deve aceitar as dinâmicas e realidades locais. Se todos os envolvidos falharem em colocar o país em primeiro lugar, não será bom para a democracia em Bangladesh.

O povo bengali certamente se levantará contra o domínio de um partido. O sucesso da rebelião será moldado pela liderança que ela promove. Manchada por acusações criminais e más ações históricas, nenhuma liderança conseguirá obter amplo apoio. As pessoas podem dar o “benefício da dúvida” para crimes civis, mas não para crimes penais, mesmo que sejam retratados como “politicamente motivados”. O apoio partidário sozinho não pode derrubar a ditadura de um partido. Um movimento nacional amplo é essencial. Isso não pode acontecer sob a liderança manchada por acusações criminais. Para uma Bangladesh democrática, o país precisa de uma oposição liderada por pessoas que não possam ser manchadas por acusações criminais e que possam oferecer à AL um terreno moral, para começar.

SAIFULLAH SYED é ex-funcionário da ONU. Foi Chefe da Divisão de Assistência Política para a Ásia e o Pacífico da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) das Nações Unidas.

Artigo publicado na Inter Press Service.

Foto: Dhaka, capital do Bangladesh, no Sul da Ásia. (ASaber91/Wikipedia)

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