Pela responsabilização das empresas de mídia social, não a punição de usuários. O caso do X
A CIVICUS* discute a recente proibição do Twitter/X no Brasil com Iná Jost, advogada e chefe de pesquisa do InternetLab, um think tank brasileiro independente focado em direitos humanos e tecnologias digitais.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal do Brasil determinou a proibição da plataforma de mídia social X, de Elon Musk, antigo Twitter, depois que ela se recusou repetidamente a cumprir ordens para moderar o conteúdo. O tribunal ordenou que as empresas de tecnologia removessem o X das lojas de aplicativos e impôs multas pelo acesso contínuo por meio de VPNs no Brasil. Isso pareceu fazer com que os usuários mudassem para alternativas como Bluesky e Threads. Musk condenou a proibição como um ataque à liberdade de expressão, mas desde então recuou e cumpriu as ordens do tribunal. O debate continua sobre as implicações da controvérsia para a democracia e a responsabilidade.
Por que o Supremo Tribunal Federal baniu o X?
O caso começou em 7 de agosto, quando um ministro do Supremo Tribunal, investigando “atividades digitais maliciosas”, ordenou o bloqueio de sete perfis do X por intimidar agentes de segurança e ameaçar diretamente a integridade do tribunal e a democracia no Brasil.
O X se recusou a cumprir a ordem, alegando que isso violava a liberdade de expressão. O juiz então impôs uma multa diária por descumprimento, que foi aumentada e acabou ultrapassando US$ 3 milhões, enquanto Musk continuava a se recusar a obedecer. Em um determinado momento, o juiz ordenou o congelamento dos ativos financeiros do X no Brasil, mas esses não eram suficientes para cobrir as multas.
Após mais idas e vindas, as tensões aumentaram quando o juiz também congelou as contas bancárias da empresa de internet via satélite Starlink, argumentando que ambas as empresas faziam parte do mesmo grupo econômico. Isso gerou alguma controvérsia, uma vez que a Starlink opera em uma esfera diferente e suas operações não estão totalmente ligadas ao X.
O ponto de virada ocorreu quando o X fechou sua sede no Brasil. Sem um representante legal no país, o tribunal encontrou dificuldades para fazer cumprir suas ordens ou impor penalidades adicionais. Em seguida, deu ao X 24 horas para nomear um novo representante, o que não foi feito. Como resultado, em 30 de agosto, o tribunal ordenou o fechamento do X.
É importante mencionar que o tribunal não é muito transparente e todo o procedimento foi realizado em sigilo. Não conseguimos entender o quadro completo porque o processo é fechado e nem todas as decisões são tornadas públicas.
Qual foi a base legal para a decisão de fechar o X?
O tribunal baseou sua decisão no Marco Civil da Internet de 2014 do Brasil. De acordo com essa lei, plataformas podem ser bloqueadas por não cumprirem as leis brasileiras ou ordens judiciais. Surgiu alguma confusão sobre a ideia de que a proibição se deu pela falta de um representante legal do X no Brasil; no entanto, o fechamento resultou da recusa repetida da empresa em cumprir as ordens judiciais.
A sociedade civil levantou preocupações sobre alguns aspectos da decisão. Inicialmente, a ordem incluía o bloqueio de serviços de VPN para impedir o acesso ao X, mas essa parte foi revertida devido a riscos de cibersegurança. Bloquear VPNs que servem a propósitos legítimos seria desproporcional. A ordem também propunha uma multa de US$ 9.000 para usuários que tentassem contornar a proibição, o que muitos consideraram excessivo. Acreditamos que o foco deve ser responsabilizar a empresa, e não punir usuários individuais.
É possível encontrar um equilíbrio entre regular plataformas online e proteger liberdades?
É possível. Regular plataformas não significa necessariamente censura. Neste caso, trata-se de garantir que uma empresa poderosa opere de forma transparente e proteja os usuários. Plataformas que agem apenas em seus interesses comerciais podem prejudicar o interesse público. A regulação pode obrigá-las a fornecer termos e condições claros, políticas de moderação de conteúdo justas e a respeitar o devido processo para a remoção de conteúdo.
A crença de que qualquer forma de regulação ameaça a liberdade de expressão é equivocada. Regulações bem pensadas que permitem aos usuários se expressarem enquanto os protegem de danos, como discurso de ódio ou desinformação, podem equilibrar as coisas.
A postura de Musk neste caso é profundamente problemática. Sua conformidade seletiva com as ordens judiciais mina o estado de direito. Embora plataformas como o X sejam cruciais para a comunicação pública, isso não lhes dá o direito de desafiar o sistema legal em que operam. A liberdade de expressão não isenta as plataformas de suas responsabilidades legais, especialmente quando essas leis protegem a integridade da democracia.
A alegação de Musk de que o X representa a liberdade de expressão absoluta não considera os riscos de uma plataforma sem regras adequadas. Sem moderação, as plataformas podem se tornar refúgios para grupos extremistas, discurso de ódio e desinformação. Elas devem ser regulamentadas para garantir que permaneçam um espaço para o discurso legal.
Você acha que esse caso estabelecerá um precedente?
Não acho. Algumas pessoas estão preocupadas que outras plataformas também possam ser bloqueadas, mas não creio que isso acontecerá. Este é um cenário único, e o Brasil é uma democracia forte. Isso não foi um ato de censura do judiciário, mas uma medida necessária dada a recusa do proprietário da plataforma em cumprir ordens judiciais.
Os Estados devem desenvolver mecanismos regulatórios que lhes permitam responsabilizar as plataformas e garantir a conformidade com as leis nacionais. Isso evitaria a necessidade de bloqueios totais, que, em última análise, prejudicam mais os usuários. Embora a empresa possa sofrer algumas perdas financeiras, jornalistas e cidadãos estão perdendo o acesso a uma ferramenta vital de informação e comunicação.
Espero que os Estados que estão sérios em regulamentar plataformas vejam isso como um exemplo do que não deve acontecer. Não devemos permitir que as coisas cheguem a esse ponto. E certamente não devemos usar isso como um caso exemplar para bloquear plataformas.
* A CIVICUS é uma organização internacional sem fins lucrativos, que se descreve como “uma aliança global dedicada a fortalecer a ação dos cidadãos e da sociedade civil em todo o mundo.
Este texto foi publicado originalmente pela Inter Press Service (IPS)
Na imagem, Iná Jost, da CIVICUS / Divulgação
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