A Europa diante de Trump
Preocupação e incerteza são as palavras que definem o sentimento que percorre a Europa com o retorno de Donald Trump ao comando do país que ainda representa a maior potência mundial. É a esta potência que a União Europeia tem sido acusada de prestar vassalagem e obediência.
O retorno de um líder imprevisível à Casa Branca após quatro anos fora do poder vai impactar as relações transatlânticas em diversas frentes, desde a economia e comércio até questões de segurança e defesa.
A perspectiva de uma nova era de protecionismo americano é um dos motivos de apreensão. Durante sua campanha, Trump prometeu impor tarifas universais de 10% sobre todas as importações para os EUA, uma medida que teria consequências graves para as exportações europeias.
Os analistas estimam que essas tarifas poderiam reduzir o crescimento do PIB da zona do euro entre 0,5% e 1,5%, o que representa uma perda potencial de até 260 bilhões de euros.
Setores-chave da economia europeia, como a indústria automobilística e química, seriam afetados. A Alemanha, motor econômico da Europa e grande exportadora, poderia ver suas exportações para os EUA caírem cerca de 15%.
A possibilidade de uma guerra comercial entre EUA e UE levanta o espectro de uma recessão na Europa. O Banco Central Europeu (BCE) poderia ser forçado a responder com cortes agressivos nas taxas de juros, potencialmente levando-as próximas a zero já em 2025. Isto criaria acentuada divergência na política monetária entre o BCE e o Federal Reserve americano, pressionando ainda mais o euro.
Segurança
A vitória de Trump também traz preocupações quanto ao futuro da cooperação em segurança e defesa entre EUA e Europa. Durante sua campanha, Trump criticou duramente o apoio militar americano à Ucrânia e sugeriu que poderia encerrar o conflito rapidamente, possivelmente em prejuízo da Ucrânia
Essa possibilidade levanta dúvidas quanto ao compromisso dos EUA com a OTAN e a segurança europeia em geral. Trump já havia ameaçado encorajar a Rússia a atacar países membros da OTAN que não gastassem o suficiente em defesa, uma declaração que alarmou muitos líderes europeus.
O resultado seria o aumento nos gastos militares da Europa. A Goldman Sachs alertou que as políticas externas de Trump forçarão as economias europeias a aumentar suas despesas de defesa, num momento em que muitos países já estão às voltas com pressões orçamentárias.
Isso levaria ao aumento nas compras de armamentos americanos por países europeus que buscam manter boas relações com Washington.
Política e Diplomacia
Enquanto alguns políticos populistas de extrema direita, como o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, celebraram a vitória, a maioria dos governantes expressou preocupação.
O retorno de Trump pode aprofundar as divisões dentro da União Europeia. Alguns países serão tentados a buscar acordos bilaterais favoráveis com os EUA, enfraquecendo a unidade da UE. Thierry Breton, ex-Comissário Europeu, alertou que Trump tentará colocar os Estados-Membros da UE uns contra os outros.
A vitória de Trump também fortalece os movimentos populistas e de extrema-direita. Alguns analistas, como Mai’a Cross, da Universidade de Northeastern, acreditam que, a longo prazo, isso não beneficiará aqueles grupos, pois os eleitores perceberão as consequências negativas de políticas isolacionistas e protecionistas.
O futuro próximo vai determinar se a Europa conseguirá manter a unidade e fortalecer sua autonomia estratégica diante dos Estados Unidos mais isolacionista. O presidente polonês Donald Tusk disse, a propósito, que o futuro da Europa “depende, em primeiro lugar e acima de tudo, de nós mesmos”.
Alemanha
A vitória de Trump traz também ruídos nas relações comerciais entre a Alemanha e os Estados Unidos. A promessa de implementar tarifas universais de 10% sobre todas as importações para os EUA afetaria diretamente as exportações alemãs, especialmente nos setores-chave da indústria automobilística, produtos químicos e maquinaria e equipamentos. As exportações alemãs para os EUA cairiam cerca de 15% se essas tarifas forem aplicadas. O PIB da Alemanha poderia sofrer uma redução de até 0,5%.
As ações de montadoras alemãs como BMW, Mercedes e Volkswagen caíram entre 5% e 7% após a confirmação da vitória de Trump. Existe o risco de uma escalada para uma guerra comercial mais ampla entre os EUA e a União Europeia. Como maior economia da UE e grande exportadora, a Alemanha seria particularmente vulnerável.
A UE já está elaborando listas de ações de retaliação preventivas contra os EUA. No passado, os europeus impuseram tarifas sobre produtos americanos icônicos em resposta a impostos dos EUA sobre aço e alumínio.
As políticas de Trump poderiam levar a uma desvalorização do euro em relação ao dólar. A Alemanha e a UE seriam levadas a reavaliar suas estratégias e buscar diversificar suas parcerias para reduzir a dependência do mercado americano. A expansão natural de suas ações comerciais seria em direção da Ásia, além da China, África e América Latina.
*Imagem em destaque: Donald Trump / Creative Commons
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).