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Sem adeus, companheiro Celso Horta.

Sem adeus, companheiro Celso Horta.

Pedro Tierra homenageia a memória do ex-preso político com quem conviveu nas masmorras da ditadura. E “Celso Horta”, Presente!, por Luis Nassif, GGN.

Sem adeus. Eu o vejo se mover na cela, no corredor, no pátio, na oficina do Barro Branco ou do Carandiru. É como um irmão, aquele contido, que não desperdiça palavras. Mas passa convicção no que diz durante as reuniões, as conversas interrompidas pela vigilância do guarda. Passa segurança ao interlocutor: o que está sendo dito, antes foi pensado. Em algum momento se aproximou de mim com um comentário. Havíamos produzido um cartão ou uma pirogravura com um desenho minucioso do Mané Cirilo e um texto meu: “Não importa que hoje nos tremam os lábios/ e a voz caminhe incerta/ pela garganta,// se amanhã o canto/ romperá na boca/ de milhões.” Era 1975 e a composição de imagem e texto o havia tocado.  Recebia dele sem que ele próprio tivesse consciência disso o estímulo para seguir oferecendo meu testemunho em verso sobre aquele tempo sombrio. Assim o vejo. Um dos meus irmãos que me ensinaram essa verdade que carrego ao longo da vida – em especial neste dia de tristeza infinita – a poesia se justifica porque dispara o espanto, comove – no sentido de MOVER COM, DE PRODUZIR AÇÃO – de alguma maneira busca perpetuar em nós as vidas dos que partem. Sem adeus, Celso. Abraço Irmão. Pedro Tierra.

Por Luis Nassiff:

A morte de Celso Horta priva o jornalismo brasileiro de uma das pessoas mais doces, coerentes e corajosas que conheci. Nem se diga de sua fase mais recente, acompanhando a Comissão dos Desaparecidos em Palmas do Monte Alto (BA), para o trabalho de reconhecimento de colegas da luta armada.

Como jornalista, foi um dos principais responsáveis pela reportagem sobre a distribuidora Tieppo, que movimentou a disputa jornalística no início dos anos 80.

Tieppo foi um dos primeiros corretores da Bolsa a se aventurar no mercado externo, em um período em que eram proibidas aplicações de brasileiros no exterior.

Quebrou. Seguiu-se uma enorme competição entre os jornais para ter acesso aos arquivos de Tieppo. A cobertura ficou por conta da reportagem policial.

Eu tinha acabado de assumir a chefia de reportagem do Jornal da Tarde e resolvi entrar na parada. Na época, Celso veio cobrir férias, provavelmente indicado por seu cunhado Roberto Jungman, filho de um dos pioneiros pernambucanos do Estatuto Canavieiro.

Num determinado dia, os jornais dão o furo de que, graças ao trabalho impecável do delegado Romeu Tuma e de seu subordinado (um delegado grisalho, do qual me falta o nome), os arquivos haviam sido descobertos em um pequeno sobrado no bairro do Ipiranga.

O primeiro movimento foi pedir a Silvio Vieira – repórter obstinado – que fosse ao local com fotos de Tuma, Tieppo e do outro delegado, para saber quando apareceram-me por lá. Os sócios de um posto de gasolina, vizinho à casa, reconheceu os três e garantiu que já visitavam o local muitos dias antes do anúncio da descoberta.

O segundo passo foi pedir a Celso que fosse até a corretora levantar dados. Ele foi, criou boas relações com as telefonistas, que lhe passaram o segredo das aplicações clandestinas. Havia dois tipos de clientes na corretora, os legais e os informais. Sempre que um diretor pedia para ligar para algum cliente, usava uma palavra como senha, para diferenciar o grupo dos informais.

Celso levantou todos os nomes. De posse dos nomes, ligamos para o advogado de Tieppo, relatamos o que já tínhamos levantado e o convidamos a vir ao jornal explicar o que poderia ser explicado.

Ele foi. Fechamos uma sala, com a equipe de reportagem no interrogatório, especialmente Celso, que tinha levantado  os porões da corretora e o advogado acabou contando tudo.

Juntamos à reportagem um levantamento sobre outro escândalo de Tuma, relacionado com importação irregular de carros importados/contrabandeados. Escrevi o texto final e mandei ao diretor de redação Fernando Mitre. Mitre encaminhou para análise de Ruy Mesquita, já que a reportagem mexia com o universo dos milionários paulistas.

Veio a pergunta curta e seca de Ruy:

Vocês têm certeza sobre tudo isso aqui?
Tínhamos. Saiu uma reportagem de página inteira desmontando a farsa dos arquivos da corretora Tieppo. Com o jornal em crise, nem esse furo foi suficientes para conseguir a efetivação de Celso.

Depois, passou por alguns jornais, por entidades sindicais, mas sem a oportunidade de novas grandes reportagens. Teria sido um dos grandes repórteres investigativos brasileiros.
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