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Falta de resolução e transparência sobre desaparecimentos forçados no Quênia

Falta de resolução e transparência sobre desaparecimentos forçados no Quênia

Por Robert Kibet

NAIROBI – O Quênia enfrenta uma crise persistente e obscura: os desaparecimentos forçados. Essa dolorosa violação dos direitos humanos tem deixado muitas famílias angustiadas, à procura de seus entes queridos, enquanto enfrentam um muro de negação e indiferença por parte do governo e das instituições.

O desaparecimento forçado é abordado no direito internacional pela Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados, em vigor desde 2010. No entanto, o Quênia ainda não ratificou este importante tratado da ONU, criando um vazio legal que agrava a situação.

Kevin Mwangi, responsável por programas na Unidade Médico-Jurídica Independente (Imlu), afirma que a legislação nacional do Quênia não define claramente o desaparecimento forçado, deixando os quenianos e a sociedade civil dependentes das diretrizes internacionais da ONU para responsabilizar as autoridades.

Um caso preocupante ocorreu em 2021 na área do rio Yala, que antes era uma região tranquila e se transformou em um lugar de horror. Em poucas semanas, foram encontrados 26 cadáveres em um trecho de 50 metros. Muitos corpos, predominantemente de homens, foram encontrados longe do local de desaparecimento original.

Os ativistas de direitos humanos inicialmente participaram das investigações, mas foram rapidamente afastados pela polícia. Boniface Ogutu, um dos ativistas envolvidos, afirmou: “Encontramos corpos com as mãos amarradas com cordas. Alguns estavam envolvidos em sacos plásticos. Muitos apresentavam sinais de traumatismo grave, incluindo cicatrizes semelhantes a queimaduras com ácido, e a maioria parecia ter sido torturada antes de serem jogados na água.”

Ogutu também relatou que moradores observaram um veículo Subaru, frequentemente associado às forças de segurança, indo em alta velocidade até a margem do rio, com quatro ocupantes descartando rapidamente os corpos antes de partir.

No início da década de 2010, o governo queniano concedeu amplos poderes às forças de segurança para combater o terrorismo, o que resultou em um aumento de sequestros, torturas e execuções extrajudiciais, mesmo para crimes menores. Grupos de extermínio chamados de esquadrões da morte começaram a caçar suspeitos, e durante períodos eleitorais, com frequentes concentrações e protestos, os relatos de desaparecimentos e assassinatos aumentaram.

Em 2021, grupos de direitos humanos documentaram pelo menos 170 execuções extrajudiciais e vários desaparecimentos atribuídos à polícia. Uma das vítimas encontradas no rio Yala foi Philemon Chepkwony, residente em Kipkelion, na província do Vale do Rift. Ele foi acusado de roubo de veículos e estava em liberdade sob fiança aguardando julgamento quando desapareceu em dezembro de 2021.

“Estamos testemunhando uma preocupante tendência de jovens como Philemon desaparecendo sem deixar rastros e, em seguida, sendo encontrados mortos em rios”, lamentou Hillary Kosgey, legisladora de Kipkelion Ocidental, durante o sepultamento de Chepkwony. “Ninguém tem o direito de tirar essas vidas. Se fossem presos, teriam oportunidade de se regenerar”, acrescentou.

Em condados costeiros do Quênia, como Mombasa, onde reside uma grande parte da população muçulmana do país, grupos terroristas recrutaram jovens, levando a polícia a realizar frequentes operações e a criar perfis dessas comunidades. O recente descobrimento de cadáveres mutilados envoltos em sacos plásticos em uma pedreira a céu aberto em Mukuru Kwa Njenga, um dos maiores bairros pobres do leste de Nairóbi, gerou indignação pública em meio a semanas de protestos contra uma lei financeira que está suspensa desde então.

Após assumir o poder, o presidente William Ruto afirmou repetidamente em comícios públicos que não haveria casos de desaparecimento forçado ou execuções extrajudiciais. Mwangi descreve os componentes alarmantes do desaparecimento forçado no Quênia, um país com 55,2 milhões de habitantes.

“Começa com a privação da liberdade, muitas vezes sem o consentimento ou o conhecimento da vítima. Esse ato é realizado por funcionários do governo, que depois ocultam ou negam qualquer conhecimento sobre o paradeiro da pessoa”, explica, ressaltando que “o desaparecimento forçado não é uma questão passageira; pode durar anos, até décadas. É um estado permanente de limbo para as vítimas e suas famílias até que a pessoa seja encontrada.”

O Relatório Anual sobre Vozes Desaparecidas 2023, elaborado pela Anistia Internacional, aponta uma leve redução das execuções extrajudiciais entre 2022 e 2023, de 130 para 118, e uma diminuição dos desaparecimentos forçados, de 22 para 10. “Os homens continuam sendo as principais vítimas, representando 94% das execuções extrajudiciais, com uma concentração notável entre homens de 19 a 35 anos”, afirma o relatório.

Na África, os desaparecimentos forçados, especialmente em regiões politicamente instáveis, geralmente ocorrem no contexto de repressão estatal. A República Democrática do Congo é um exemplo claro, onde um massacre levou o Tribunal Africano de Direitos Humanos e dos Povos a responsabilizar o governo por atos de desaparecimento forçado. “Para que haja um desaparecimento forçado, devem estar envolvidos funcionários do governo, e o Estado deve ter pleno conhecimento do paradeiro das pessoas desaparecidas”, esclarece Mwangi.

No Quênia, a situação permanece grave. Mwangi recorda um caso tratado pela Imlu em que duas pessoas, após serem liberadas, foram supostamente sequestradas por agentes de segurança. “Até hoje, o governo nega saber seu paradeiro”, lamenta, destacando a cultura de impunidade que persiste.

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O infame incidente do rio Yala é um sombrio lembrete da magnitude do problema. Mwangi aponta o fracasso sistêmico do poder judiciário, onde a porta giratória de soltura sob fiança perpetua o ciclo de criminalidade e violência. “A ideia de que os tribunais não fazem seu trabalho leva a polícia a fazer justiça com suas próprias mãos”, afirma.

Apesar da gravidade da situação, o Quênia não possui uma legislação específica sobre desaparecimentos forçados e não ratificou a convenção internacional, deixando as vítimas e suas famílias sem um caminho claro para a justiça. “Uma vida já é demais”, afirma Mwangi, referindo-se aos 32 casos documentados por Vozes Desaparecidas. “Estamos atualmente elaborando diretrizes para garantir que cada país africano tenha uma política sobre desaparecimentos forçados. Os números podem ser maiores do que os relatados, mas poucos casos vêm à tona”, detalha.

Após as eleições gerais de 2007-2008 no Quênia, ocorreram graves violações dos direitos humanos, levando à criação do Grupo de Trabalho Ransley para abordar as reformas policiais necessárias para acabar com esses excessos. O grupo fez recomendações contundentes, incluindo a necessidade de separar as funções da polícia, que na época era responsável pelos crimes, pela acusação e pela investigação.

Esse sistema falho impedia a justiça e evidenciava a necessidade de mecanismos que garantissem justiça e responsabilização. Em 2017, o Quênia promulgou a Lei do Serviço Forense, que criou um marco para a documentação forense nas cenas de crime. No entanto, sua aplicação tem sido problemática. Em um caso de 2018 na cidade de Eldoret, um policial manipulou a arma do crime com as mãos nuas, comprometendo as evidências.

Atualmente, a coleta de provas forenses no Quênia é deficiente e não atende aos requisitos necessários para resistir nos tribunais. Apesar de a Lei Forense ter sido promulgada em 2017 pelo então presidente Uhuru Kenyatta, sua implementação tem sido prejudicada pela falta de vontade política. “O Quênia tem um histórico de aprovação de leis que depois são arquivadas. Quando questionado, o governo alega que o atraso se deve a problemas de financiamento, afirmando que é necessário alocar fundos para criar o escritório do perito”, afirma Mwangi.

Além disso, a Autoridade Independente de Supervisão Policial (Ipoa) não possui laboratório forense e depende da Direção de Investigações Criminais (DCI), que faz parte das forças de segurança. Os ativistas de direitos humanos destacam a necessidade urgente de um laboratório forense independente na Ipoa para realizar auditorias forenses.

Apesar desses desafios, a Ipoa conseguiu oito condenações em casos extrajudiciais nos últimos 11 anos. Esta entidade foi criada para garantir a responsabilização nesses casos. Roselyn Odede, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quênia, relatou em 2023 que a comissão recebeu relatos de 22 execuções extrajudiciais e nove casos de desaparecimento forçado entre janeiro de 2022 e junho de 2023.

Peninah Koome, presidente dos Campeões Quenianos pela Justiça, uma organização comunitária, relatou sua experiência dolorosa. Seu marido foi detido, brutalmente espancado pelo oficial responsável na delegacia de Ruaraka, um subúrbio de Nairóbi, e acabou morrendo em decorrência das agressões no Hospital Nacional Kenyatta. “Não tinha dinheiro para pagar advogados, mas a Ipoa e a International Justice Mission (IJM) intervieram. No entanto, como testemunha do caso do meu marido, virei um alvo. Vieram atrás de mim no dia seguinte ao meu depoimento. A Ipoa e a IJM tiveram que me proteger. Tres anos depois, finalmente conseguimos justiça”, relatou.

Houghton Irungu, diretor executivo da Anistia Internacional Quênia, expressou preocupação com o retorno de práticas opressivas, apesar da promessa do governo de William Ruto de acabar com as desaparecimentos forçados. “Desmantelaram a Unidade de Serviços Especiais, renovaram o Serviço Nacional de Polícia, trocaram o diretor de Investigações Criminais e reestruturaram a Unidade de Polícia Antiterrorista. Esperávamos que isso promovesse o respeito pelo Estado de direito, mas os velhos hábitos parecem estar ressurgindo”, afirmou.

Ele destaca a importância de identificar rapidamente as pessoas desaparecidas e a necessidade de que as organizações de direitos humanos e os órgãos de proteção de testemunhas ajam com rapidez para proteger os testemunhas e suas famílias. “Como país, ainda não ratificamos a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra as Desaparecimentos Forçados. Já se passaram cinco anos desde que o Parlamento aprovou a Lei de Serviços Forenses, e, no entanto, ainda carecemos de capacidade forense independente para processar esses casos”, lamentou, acrescentando que “nem mesmo temos um banco de dados nacional sobre pessoas desaparecidas”.

A incapacidade do governo de enfrentar a questão dos desaparecimentos forçados viola os direitos humanos e prejudica a confiança pública nas instituições estatais. Para as famílias dos desaparecidos, a busca pela verdade e pela responsabilização continua sendo um desafio doloroso e distante.

*Imagem em destaque: IPS

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz