Assassinatos de jornalistas palestinos aumentam com a ajuda das armas dos EUA

Assassinatos de jornalistas palestinos aumentam com a ajuda das armas dos EUA

NAÇÕES UNIDAS – O aumento no número de assassinatos de jornalistas palestinos em Gaza tem gerado, em diversos setores, um clamor para que os Estados Unidos suspendam o fornecimento de armas a Israel.

Uma carta aberta endereçada ao Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e assinada por dezenas de repórteres, veículos de mídia e sindicatos de jornalistas, afirma que Israel matou mais de 165 jornalistas palestinos desde 7 de outubro do ano passado, quando um ataque do grupo islâmico Hamas a Israel desencadeou uma ofensiva implacável sobre a Faixa de Gaza.

Assinada por três organizações internacionais – Defending Rights & Dissent, Courage Foundation e Roots Action – a carta destaca: “É o maior número registrado de jornalistas mortos em qualquer guerra”.

Enquanto os bombardeios indiscriminados de Israel sobre a densamente povoada Gaza significam que nenhum civil está a salvo, Israel também tem sido documentado repetidamente atacando deliberadamente jornalistas, afirma a carta.

“As ações militares de Israel não são possíveis sem as armas, a ajuda militar e o apoio diplomático dos Estados Unidos. Ao fornecer as armas que são usadas para assassinar deliberadamente jornalistas, você é cúmplice de uma das maiores ofensas à liberdade de imprensa ad atualidade”, critica o documento dirigido a Blinken, que está em circulação.

Sarah Leah Whitson, diretora executiva da Democracia para o Mundo Árabe Agora (Dawn), afirmou à IPS que a comunidade internacional está constantemente pedindo a Washington que suspenda o envio de armas a Israel devido às suas atrocidades sem precedentes contra os palestinos em Gaza, incluindo o assassinato de mais de 165 jornalistas palestinos.

Para a especialista, é inconcebível que o governo de Joe Biden agora esteja considerando vender novo armamento a Israel para facilitar ainda mais massacres.

No dia 9 de agosto, o Departamento de Estado comunicou oficialmente ao Congresso sua intenção de proceder com uma nova autorização de armas para Israel, incluindo 6.500 kits de orientação de Munições de Ataque Direto Conjunto.

Isso ocorre apesar das numerosas evidências documentando o uso pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) de armas americanas para cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade, afirmou a organização Dawn em um comunicado no mesmo dia.

“Isso é um tapa na face da humanidade e de todos os valores que prezamos”, disse Whitson.

Blinken também anunciou sua decisão de não sancionar o infame batalhão Netzah Yehuda das FDI, apesar das evidências confiáveis de suas sistemáticas e graves violações dos direitos humanos na Cisjordânia ocupada, em violação às rigorosas leis americanas que exigem a imposição de tais sanções.

Whitson considerou “alucinante” que, apesar das provas esmagadoras dos crimes sem precedentes cometidos pelas FDI em Gaza, que chocaram a consciência mundial, o governo de Biden aprove a transferência de mais armas letais para Israel.

“É difícil entender como a administração Biden pode justificar recompensar Israel com novas armas, apesar do desafio contínuo de Israel a todas e cada uma das súplicas da administração Biden pedindo um mínimo de moderação, e apesar do fato evidente de que tais vendas violam as leis dos EUA que proíbem armas a abusadores flagrantes como Israel”, apontou.

Até o dia 9 de agosto, investigações preliminares do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) mostravam que pelo menos 113 jornalistas e trabalhadores da mídia estavam entre os mais de 40 mil mortos desde o início da guerra contra Gaza.

Isso faz com que o período atual seja o mais mortal para jornalistas desde que o CPJ começou a coletar dados em 1992.

Os jornalistas em Gaza enfrentam riscos especialmente elevados ao tentar cobrir o conflito durante a ofensiva terrestre israelense, incluindo os devastadores ataques aéreos israelenses, a interrupção das comunicações, a escassez de suprimentos e os extensos cortes de eletricidade, apontou o CPJ.

Isso tornou cada vez mais difícil documentar a situação da ofensiva israelense em Gaza, e o CPJ está investigando quase 350 casos adicionais de possíveis assassinatos, detenções e feridos.

Ramzy Baroud, jornalista e editor do The Palestine Chronicle, afirmou à IPS que Israel matou, até a primeira semana de agosto, 168 jornalistas palestinos, assim como mais de 200 trabalhadores humanitários, centenas de médicos, profissionais de saúde e pessoas de todas as categorias e origens. Nada disso é casual.

Uma prova simples de que Israel ataca deliberadamente jornalistas é o fato de que frequentemente cria e promove histórias que justificam esses assassinatos, muitas vezes acusando-os de terrorismo, explicou. Israel ainda não forneceu uma única prova confiável contra qualquer um dos jornalistas assassinados.

No dia 11 de outubro, o presidente israelense, Yitzhak Herzog, declarou que “não há civis inocentes em Gaza”. Essa lógica inquietante israelense se aplica a todos os palestinos da Faixa, incluindo os jornalistas.

Para Baroud, “Israel deve ser responsabilizado por seus contínuos assassinatos de jornalistas”.

“Uma enorme responsabilidade recai sobre os jornalistas e as organizações de mídia de todo o mundo, que muitas vezes ignoram o assassinato de seus colegas em Gaza, sem falar na divulgação das acusações infundadas de Israel, muitas vezes sem questionar sua credibilidade ou mérito”, argumentou.

“O fato de que os gazenses continuam relatando seu próprio genocídio às mãos de Israel é heroico além das palavras”, considerou Baroud, que também é pesquisador sênior não residente do Centro para o Islã e Assuntos Globais (Cciga).

Ele insistiu que esses jornalistas “não devem ser repudiados, e não devem continuar relatando e morrendo sozinhos sem uma verdadeira solidariedade internacional que possa responsabilizar os seus assassinos”.

James Jennings, presidente da organização Conscience International, afirmou à IPS que os heróicos mártires da imprensa livre em Gaza merecem ser honrados por toda a humanidade, pelo menos com o Prêmio Nobel da Paz. “Permanecer sob as bombas, informar a verdade e pagar com a vida é um ato de coragem sobre-humano”, argumentou.

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O trabalho dos jornalistas é simplesmente informar diariamente, iluminar a verdade escrevendo ou contando o que veem no campo de batalha. “Matar os mensageiros é sinal de que os autores temem a eles e sua influência”, afirmou.

“Engano e mentira são partes importantes da guerra. De que outra forma as pessoas poderiam massacrar miríades de outras pessoas e fazê-lo impunemente?”, questionou.

Mas a verdade tem duas faces: a de enviar e a de receber. “Recusar dar crédito aos jornalistas honestos significa que, na verdade, não queremos ouvir o que eles dizem. Escolher acreditar em mentiras porque queremos que elas sejam verdade é o que permite que as guerras continuem”, refletiu Jennings, acrescentando que “pior do que mentir para o inimigo é mentir para si mesmo”.

“Tentar ocultar a pura verdade negando os fatos ou olhando para o outro lado é equivalente à loucura. Quando os americanos deixarão de mentir para si mesmos e começarão a acreditar em seus próprios ideais?”, questionou Jennings.

Ibrahim Hooper, diretor nacional de Comunicação do Conselho de Relações Islâmico-Americanas (Cair), com sede em Washington, a maior organização de defesa dos direitos civis e muçulmanos do país, afirmou: “A única explicação para o escandaloso silêncio dos profissionais de mídia americanos e internacionais sobre o assassinato em massa de seus colegas palestinos é a desumanização sistemática e prolongada do povo palestino, em que a vida dos palestinos tem um valor menor ou nulo. Jornalistas de todo o mundo devem começar a denunciar esses assassinatos e o genocídio israelense em Gaza.”

Em um comunicado emitido também na primeira semana de agosto, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) afirmou que está monitorando os ataques e ameaças contra jornalistas.

A agência da ONU destacou que, nos últimos meses, vários jornalistas que cobriam protestos em diferentes partes do mundo foram alvo de diversas formas de ataques, como assassinatos, ferimentos, detenções arbitrárias e confisco de seus equipamentos, enquanto exerciam suas funções legítimas como jornalistas.

A Unesco lembra que “todas as autoridades envolvidas têm o dever e a responsabilidade de garantir a segurança dos jornalistas que cobrem protestos em todo o mundo, de acordo com as normas internacionais e as obrigações em matéria de direitos humanos.”

Na carta conjunta de jornalistas e organizações de mídia dirigida a Blinken, afirma-se que Israel fez tudo o que pode para eliminar a cobertura da mídia sobre sua guerra em Gaza.

Para isso, destaca a mensagem, Tel Aviv impôs censura militar tanto a seus próprios jornalistas quanto aos repórteres internacionais que operam no país e, com a ajuda do Egito, bloqueia a entrada de todos os jornalistas estrangeiros em Gaza.

Entre outras muitas ações contra o direito de informar, Israel fechou a Al Jazeera, invadiu seus escritórios, confiscou seus equipamentos e bloqueou suas transmissões e seu site dentro de Israel.

Como resultado, afirmam os signatários, o mundo conta apenas com os jornalistas palestinos de Gaza para informar a verdade sobre a guerra e as violações generalizadas do direito internacional cometidas por Israel.

“O ataque deliberado de Israel contra esses jornalistas parece destinado a impor quase um apagão na cobertura de seu ataque a Gaza. As investigações realizadas por órgãos das Nações Unidas, ONGs e organizações de mídia revelaram casos de ataques deliberados contra jornalistas”, afirma a carta.

Anteriormente, em uma declaração conjunta, cinco relatores especiais da ONU declararam: “Recebemos relatórios preocupantes de que, apesar de serem claramente identificáveis com coletes e capacetes com a inscrição ‘imprensa’ ou viajando em veículos de imprensa bem sinalizados, os jornalistas foram alvo de ataques, o que parece indicar que os assassinatos, ferimentos e detenções são uma estratégia deliberada das forças israelenses para obstruir a mídia e silenciar a informação crítica.”

Segundo o direito internacional, o ataque intencional a jornalistas é considerado um crime de guerra. Todos os governos são obrigados pelo direito internacional a proteger os repórteres, mas o direito interno dos Estados Unidos também proíbe o Departamento de Estado de prestar assistência a unidades de forças de segurança estrangeiras acusadas de graves violações dos direitos humanos.

O padrão bem documentado de execuções extrajudiciais de jornalistas por parte de Israel é uma grave violação dos direitos humanos que está sendo encoberta em Gaza.

*Imagem em destaque: Jornalistas que cobrem a guerra em Gaza se reúnem em frente ao Hospital dos Mártires de Al Aqsa para prestar homenagem a dois de seus colegas assassinados pelas forças israelenses: o repórter da Al Jazeera Ismail al Ghoul e o cinegrafista Rami al Rifi, que perderam a vida no ataque do exército israelense a um veículo em movimento no campo de refugiados de Al Shati, no dia 31 de julho (Ashraf Amra/Agência Anadolu).

*Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e Revisão: Marcos Diniz

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