Avanço contemporâneo do conhecimento

Avanço contemporâneo do conhecimento

O historiador Peter Burke, no seu livro Uma História Social do Conhecimento – II (Da Enciclopédia à Wikipédia), continua sua narrativa sobre a transformação tecnológica do conhecimento. A Segunda Guerra Mundial marca uma guinada na história do conhecimento de maneira ainda mais evidente diante da primeira, conhecida como a Grande Guerra.

Como o recente filme Oppenheimer mostrou, o Projeto Manhattan e sua grande equipe de cientistas tornou-se o símbolo da nova Era da Alta Tecnologia e do financiamento governamental. Mas a Ciência Grande não nasceu com a bomba atômica destruidora.

As experiências da guerra levaram a outras inovações. Um cientista americano estava trabalhando no problema de “ensinar” as armas de defesa antiaérea a mirar alvos velozes ao desenvolver a cibernética. A tecnologização do conhecimento continuou no mesmo passo da guerra, levada pela quarta onda de Kondratiev, a da Era Eletrônica.

A aceleração da inovação tecnológica gerou avanços no conhecimento e, por sua vez, eles levaram a outras inovações. A obsolescência se tornou mais evidente, como no caso do surgimento e desaparecimento da Era do Rádio, TV, cinema, jornais, discos e CDs…

O desenvolvimento mais significativo na história do conhecimento no período contemporâneo foi, sem dúvida, o advento do aprendizado de máquinas capazes de pensar, saber e aprender. A Inteligência Artificial está superando a burrice natural

Na comunidade do saber, a Era do Jato substituiu a Era do Vapor, com meios de transporte mais rápidos incentivando a proliferação de pequenas conferências internacionais sobre temas específicos. Os grandes congressos internacionais das disciplinas continuaram a existir nesse período – na verdade, tornaram-se ainda maiores –, mas o verdadeiro trabalho era executado em outras esferas.

O financiamento da ciência pelo governo se manteve, após 1945, impulsionado pela Guerra Fria e principalmente pela rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética. Sem esse financiamento, seria impossível existir o que vem se chamando Terceira Era dos Descobrimentos, a exploração do espaço e das profundezas marinhas.

Burke afirma o mesmo em relação à Terceira Revolução Científica, assim denominada para explicar os rápidos avanços na Ciência da Computação e na Biologia molecular. O desenvolvimento das telecomunicações esteve ligado à Teoria da Informação ou Ciência da Informática. A análise do processo de comunicação (codificação, transmissão e decodificação) buscava garantir as mensagens não serem corrompidas por “ruídos”.

A Terceira Revolução Científica está ligada à “Terceira Revolução Industrial”, expressão mais utilizada para designar mudanças na segunda metade do século, mas já sendo ultrapassada pela Quarta Revolução Industrial. Esta Indústria 4.0 engloba algumas tecnologias para automação e troca de dados e utiliza conceitos de Sistemas Ciber-Físicos, Internet das Coisas e Computação em Nuvem.

Economias foram transformadas pelo surgimento das “indústrias de serviços”, em especial as “indústrias do conhecimento”, em detrimento da fabricação tradicional. A desindustrialização se deve à globalização com nova divisão internacional do trabalho.

O desenvolvimento do Vale do Silício na Califórnia, onde a indústria de Tecnologia da Informação já tinha se estabelecido desde os anos 1950, foi a primeira vez na história onde a localização de um importante setor de atividade econômica foi determinada pela presença de Instituições de Ensino Superior. Stanford com seu Departamento de Engenharia Elétrica de ponta e Berkeley foram decisivas.

Em contraste, nos anos 50, Detroit produzia metade dos veículos vendidos no planeta e tinha 1,85 milhão de habitantes, o que fazia dela a quarta maior cidade americana. Desde então, sua população caiu de maneira constante e hoje está em 685 mil pessoas – uma redução de 65%. Viva a Chimérica!

O surgimento da Economia da Informação e de empresas movidas pelo conhecimento como a Apple e a Microsoft, na qual a produtividade depende da pesquisa, levou por sua vez ao surgimento da Sociedade Pós-industrial. É também conhecida como Sociedade da informação ou Sociedade do Conhecimento por suas novas formas de conhecimento.

O nascimento da Sociedade do Conhecimento vem associado a um declínio na importância das universidades como centros de produção do conhecimento. Em vista da pluralidade dos conhecimentos, as universidades nunca monopolizaram a produção de saber, mas sua “participação no mercado” diminuiu, nesse período, devido à concorrência crescente não só dos laboratórios industriais, desde a segunda metade do século XIX, mas também dos think tanks.

Um laboratório de ideias, o think tank é um gabinete estratégico, centro de pensamento ou centro de reflexão, constituindo uma instituição de pesquisa composta por especialistas capazes de realizar investigações e defesas sobre tópicos exigentes da reflexão intelectual sobre assuntos de Política Social, Estratégia Política, Economia, Assuntos Militares, Tecnologia e Cultura. A maioria dos think tanks é composta de organizações não-governamentais, mas algumas agências semi-autônomas possuem laços com o governo, partido políticos, empresas ou militares.

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Outra grande tendência neste período recente, apontada por Burke, foi o declínio do Ocidente no domínio do conhecimento, mais gradual no caso da esfera política diante da esfera econômica, mesmo assim claramente perceptível. O etnocentrismo ocidental ou o eurocentrismo foi objeto de uma crítica movida especificamente por antropólogos.

Nos anos 1960, é possível identificar um triplo ataque às interpretações tradicionais da história e da sociedade – as quais foram criticadas por ser elitistas, ocidentais e machistas –, proveniente das feministas e dos defensores da abordagem de baixo ou da periferia. O surgimento da Economia Desenvolvimentista, com sua distinção entre centro e periferia, ou seja, países desenvolvidos e subdesenvolvidos – depois, “em desenvolvimento” –, e da Teoria da Dependência, a qual sustentava os países desenvolvidos terem mantido “subdesenvolvidos” os demais ao impô-los a exportar matérias-primas e a importar produtos manufaturados com tecnologia embutida.

A segunda metade do século XX também presenciou uma reação contra a crescente especialização. A interdisciplinaridade foi institucionalizada no nível da graduação de universidades inovadoras, mas o desafio hoje com a Ciência da Complexidade e a transdisciplinaridade é não só juntar especialistas, mas produzir novo conhecimento.

Os historiadores econômicos fixam a data da quinta onda de Kondratiev, baseada na microeletrônica, no fim dos anos 1980. A tecnologização do conhecimento continua a se acelerar com a explosão da informação, se nem sempre foi também do conhecimento.

Enquanto os gerentes e os gestores no mundo empresarial têm se interessado mais pelo conhecimento, as instituições do conhecimento, como as universidades, vêm se interessando mais por gestão. Elas lutam para conservar sua posição em um mundo cada vez mais competitivo, concorrendo não só entre si, mas também com instituições de pesquisa, como os think tanks e os laboratórios industriais.

A “McDonaldização do Conhecimento” (ou o McConhecimento) é uma combinação entre a produção em massa (o aumento no número de alunos), a tentativa de aumentar a eficiência através de medições (avaliação dos docentes feita pelos alunos, números de citações, atualizações do Currículo Lattes etc.), a padronização e a troca de pessoas por máquinas em algumas partes do processo de ensino, destacadamente à distância.

O cotidiano de trabalho de muitos estudantes e acadêmicos se transformou com a difusão do computador pessoal e o surgimento da internet, às vezes chamada de “Quinto Estado”. As vendas dos livros e jornais na versão impressa estão caindo. O e-book é uma ameaça concreta aos livreiros, editores e outros agentes no campo do conhecimento com suporte físico de papel. Na verdade, pouco se lê fora da rede social

Burke antevê como provável uma diminuição do livro – diminuição metafórica, no sentido de uma perda de importância, mas também diminuição literal, no sentido de livros menores, mais curtos. Afinal, os leitores adquirem uma proporção sempre maior de sua informação e mesmo de seu conhecimento em outras fontes – como aqui.

A tendência de globalização tem se reforçado pelo uso do inglês como “o novo latim”, a língua franca da comunidade de saber, empregado cada vez mais nas revistas especializadas, em qualquer país onde sejam publicadas, e em cursos universitários de todo o globo. O colonialismo cultural impõe, no Brasil, os acadêmicos sofrerem pressão dos dirigentes das universidades para publicar seus estudos em inglês, e não em sua própria língua, a fim de aumentar o prestígio internacional de suas instituições.

Outra grande tendência é a democratização do conhecimento. Um arquivo digital tem a possibilidade de se transformar em um “arquivo do povo”, um “arquivo aberto” capaz de fornecer boa informação para o público geral.

Assim encaro meu papel social de diletante como trabalhador do conhecimento. A Ciência Cidadã é baseada na participação informada, consciente e voluntária – e gratuita.

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