Energia solar e biogás empoderam mulheres rurais no Brasil

Energia solar e biogás empoderam mulheres rurais no Brasil

ACREÚNA E ORIZONA, Brasil – Uma padaria, a produção de polpa de frutas e água bombeada de nascentes estão capacitando mulheres rurais em Goiás, no centro-leste do Brasil. Novas fontes de energia renovável impulsionam esse processo.

“Trabalhamos na sombra e temos rendimentos seguros, estáveis, não incertos como os agrícolas. Não controlamos o preço do leite, nem as secas ou as pragas nas plantações”, destacou Leide Aparecida Souza, que dirige uma padaria na zona rural de Acreúna, município de 21,5 mil habitantes no centro de Goiás.

A padaria fornece diversos tipos de pães, inclusive pães de queijo e pães para cachorros-quentes, além de bolos e biscoitos para cerca de 3 mil estudantes da rede escolar municipal, para o programa governamental de alimentação escolar, que assegura à agricultura familiar pelo menos 30% de suas compras. As instituições assistenciais também recebem os produtos da padaria.

A iniciativa vem das mulheres do Assentamento Genipapo, implantado em 1999 com 27 famílias, no âmbito da reforma agrária permanente que ocorre no Brasil após a ditadura militar (1964-1985) e que já assentou 1,3 milhão de famílias.

Genipapo, nome escolhido para o assentamento, é uma fruta do Cerrado, a savana que domina grande parte central do Brasil. Cada família assentada recebeu 44 hectares e a produção local se concentra em soja, mandioca (aipim) e sua farinha, milho, pecuária leiteira e avicultura.

Seis painéis fotovoltaicos vão reduzir os custos da padaria das mulheres, instalada na antiga sede da fazenda que serviu ao assentamento de 27 famílias em Acreúna, no estado brasileiro de Goiás, dentro da reforma agrária permanente que ocorre no Brasil. Imagem: Mario Osava/IPS

Padaria capacita mulheres rurais

As mulheres da Associação dos Moradores do Assentamento Genipapo decidiram criar a padaria como uma nova fonte de renda há 16 anos. Elas conquistaram também autoestima e autonomia, ao ganhar seu “próprio dinheiro”. Os rendimentos agrícolas e pecuários são, em geral, controlados pelos maridos.

Cada trabalhadora ganha cerca de 1500 reais (300 dólares) por mês, 6% a mais do que o salário mínimo nacional. “Começamos com 21 participantes, agora temos 14 disponíveis para o trabalho, porque algumas se mudaram ou desistiram”, detalhou Souza.

Há um ano, o projeto obteve um sistema de energia solar com seis painéis fotovoltaicos do projeto Energia das Mulheres da Terra, promovido pela Gepaaf Assessoria Rural, com apoio do Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal, o banco regional voltado para a área social, e da Universidade Federal de Goiás (UFG), também estatal.

Gepaaf é a sigla de Gestão e Elaboração de Projetos em Assessoria à Agricultura Familiar e sua origem é um grupo de estudos da UFG. A empresa tem sede em Inhumas, cidade de 52 mil habitantes a 180 quilômetros de Acreúna.

Devido a dificuldades no inversor, dispositivo necessário para conectar o gerador à rede de distribuição de eletricidade, a usina só começou a operar em março. Agora, será possível saber se a economia alcança os cerca de 300 reais (60 dólares) que custam à padaria a energia elétrica.

Iná de Cubas ao lado do biodigestor que obteve com o projeto Energia das Mulheres da Terra, no município de Orizona, centro-leste do estado brasileiro de Goiás. O biogás gerado beneficia as atividades produtivas de mulheres em assentamentos rurais, bem como as plantas solares em escala familiar ou comunitária. Imagem: Mario Osava/IPS

“É pouco, mas para nós cada centavo conta”, observou Souza. No seu caso, a eletricidade é barata porque se trata de consumo rural e noturno. A produção de pães começa às 17 horas e termina às 3 ou 4 horas da madrugada seguinte, de segunda a quinta-feira, segundo Maristela Vieira de Sousa, secretária do grupo.

O forno industrial que utilizam consome pouca lenha. Há outro, a gás, que só utilizam em emergências, “porque é caro”. O biogás é uma possibilidade para o futuro, aproveitando os abundantes resíduos agrícolas do assentamento.

Energias alternativas viabilizam agroindústria

Iná de Cubas, outra beneficiada pelo projeto Energia das Mulheres, tem seu biodigestor que abastece seu fogão, além de oito painéis fotovoltaicos. Eles geram energia para produzir polpas de frutas que também fornecem para as escolas de Orizona, município de 16 mil habitantes no centro-leste de Goiás.

A usina solar, instalada há dois anos, viabilizou o negócio ao eliminar a “conta de luz”, alta porque dois refrigeradores necessários para o armazenamento de frutas e polpas consomem muita energia elétrica.

A abundância de resíduos das frutas oferece os insumos para a produção de biogás, uma inovação em uma região onde, em geral, são mais utilizados os excrementos.

Os refrigeradores nos quais Iná de Cubas conserva as frutas e as polpas de frutas variadas que produz para vender às escolas de Orizona, no centro do Brasil. Este equipamento indispensável para a atividade consome muita eletricidade ao operar permanentemente. Imagem: Mario Osava/IPS

“Só uso uma carga adicional de esterco de animais quando preciso de mais biogás”, disse Cubas, que recorre às vacas do vizinho, já que não cria animais.

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Em seus cinco hectares de terra, Cubas possui inúmeras espécies de frutas para sua indústria familiar.

Além de frutas tipicamente brasileiras, como cajá (Spondias mombin), pequi (Caryocar brasiliense) e jabuticaba (Plinia clauriflora), que também podem ser encontradas em países vizinhos, há limões, mangas, laranjas, goiabas e abacates, entre outras.

Para as polpas, ela também aproveita frutas dos vizinhos, a maioria parentes. A distribuição de seus produtos é feita através da Associação Estadual Agroecológica de Goiás (Aesagro), que reúne 53 famílias de Orizona e arredores.

A agroecologia é norma na fazenda, onde a família também cultiva arroz, feijão e alho. Para tanta produção, as safras são irrigadas com água bombeada de nascentes próximas que foram recuperadas através do afastamento de uma estrada e cercas para bloquear o acesso do gado que pisoteava as margens.

“O objetivo de tudo é fortalecer a agricultura familiar, a qualidade de vida no campo, a renda, o cuidado com o meio ambiente e oferecer alimentos saudáveis, sem veneno, especialmente para as escolas”, explicou Iná de Cubas.

Os biodigestores de ferro e cimento, a energia solar para diversos fins, incluindo a bombeamento de água, a captação e armazenamento de água da chuva fazem parte das “tecnologias” que o projeto Energia das Mulheres tenta disseminar, resumiu Gessyane Ribeiro, administradora da Gepaaf.

No território de Iná de Cubas, o projeto instalou cinco biodigestores e sete bombas solares para famílias camponesas, além de usinas solares em escolas.

Os oito painéis solares fotovoltaicos no telhado da casa da família Cubas, na zona rural de Orizona, viabilizam os pequenos processos agroindustriais que agregam maior valor à ampla diversidade de frutas nativas de diferentes biomas do Brasil, como o Cerrado e a Amazônia, juntamente com espécies importadas ao longo da história do país. Imagem: Mario Osava/IPS

Mulheres camponesas em rede

A Rede Energia das Mulheres da Terra, articulada pelo projeto e coordenada por Ribeiro, atua em seis territórios, áreas definidas pelo governo com base em similaridades ambientais, econômicas, sociais e culturais. No total, envolve 42 organizações em 27 municípios de Goiás.

Os conselhos territoriais escolhem as beneficiadas dos projetos, todos implantados com trabalho coletivo e voltados para atividades produtivas de mulheres, para a preservação do Cerrado. Todas as beneficiadas se comprometem a contribuir para um fundo solidário para financiar novos projetos, explicou a agrônoma Ribeiro.

“A Rede é o elo entre a valorização da mulher do campo, a agricultura familiar e a transição energética”, resumiu. “Escolhemos a agricultura familiar porque é a que produz alimentos saudáveis”, acrescentou.

“Oferecemos soluções tecnológicas que se sustentam no nexo entre alimentos, água e energia, rumo a uma transição energética que pode de fato enfrentar as mudanças climáticas”, enfatizou a socióloga Agnes Santos, pesquisadora e comunicadora da Rede.

Recuperar e proteger nascentes é outra ação da Rede de Mulheres.

Duas placas solares ativam uma bomba instalada em uma nascente na floresta para fornecer água às 29 vacas da família de Nubia Lacerda Matias, em Orizona, no estado de Goiás, perto de Brasília. Assim, as vacas deixaram de buscar água nas nascentes que agora estão cercadas. É vital para esta e outras famílias locais que vivem rio abaixo. Imagem: Mario Osava/IPS

Nubia Lacerda Matias celebra o momento em que foi convidada para o movimento. Ganhou uma bomba solar, composta por duas placas solares e tubos, que leva água ao seu gado que antes danificava a nascente hoje protegida por uma cerca e uma pequena floresta.

“É importante não só para minha família, mas para a população que vive abaixo”, onde a contribuição de outras nascentes forma um córrego, reconheceu.

Mas o leite das 29 vacas e as plantações de milho na fazenda de 9,4 hectares não são suficientes para sustentar a família com dois filhos pequenos. O marido, Wanderley dos Anjos, trabalha fora, como motorista de transporte escolar.

O esposo de Iná de Cubas, Rosalino Lopes, também trabalha como técnico da Comissão Pastoral da Terra, organização católica voltada para o trabalhador rural.

Nas horas vagas, Lopes inventa máquinas agrícolas. Ele junta e combina partes de motocicletas, tratores e outras ferramentas, em um esforço para suprir uma carência da pequena agricultura, menosprezada pela indústria mecânica e pela pesquisa científica no Brasil.

*Imagem em destaque: Leide Aparecida Souza, presidente da Associação dos Moradores do Assentamento Genipapo, na zona rural de Acreúna, município do centro-oeste do Brasil, ao lado dos pães e bolos da padaria onde trabalham 14 camponesas. Foto: Marina Carolina / IPS

*Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz

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