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A miséria invade a Europa

A miséria invade a Europa

Dois mil e quinze foi o mais cruel dos anos para os refugiados e também para os governos europeus que presenciaram o maior deslocamento de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial

No domingo 17 de setembro, duas mulheres louras e elegantes encontraram-se na belíssima ilha italiana de Lampedusa, de 6.300 habitantes, para observarem in loco a massa de africanos acabados de chegar em desajeitadas embarcações. Eram as senhoras Ursula von der Leyen e Giorgia Meloni, respectivamente presidente da Comissão Europeia e primeira-ministra da Itália, mas elas não estavam lá para darem boas-vindas aos maltrapilhos refugiados e sim para discutir a melhor forma de expulsá-los e impedir uma nova tentativa de entrarem na Europa. Talvez, quem sabe, alojar alguns nos países de boa vontade entre os 27 da União.

A senhora von der Leyen considera as ondas de migrantes que chegam às costas do continente um dos grandes desafios que a Europa tem pela frente. A primeira-ministra Meloni há pouco proibiu a guarda costeira italiana de socorrer os náufragos na travessia do Mediterrâneo.

A caravana de carros oficiais das duas senhoras foi bloqueada por dezenas de habitantes locais em protesto contra o projeto de construção de um novo campo de refugiados.

Essa visita a Lampedusa dá-se no final de uma semana em que chegaram à ilha 8.500 migrantes, um número bem maior do que o total de habitantes da ilha. Vieram somar-se aos 126 mil que lá aportaram desde o início do ano. Lampedusa, de bonitas paisagens marinhas, é o território italiano mais próximo da África. Vive dias de caos.

Guerras

O continente africano tem hoje pelo menos quatro grandes conflitos de efeito devastador nas populações: no Mali, no Sahel, no Sudão do Sul e na Etiópia. E se desenvolvem outros conflitos menores em Moçambique, Burundi, República Centro-Africana, Congo e na Líbia.

Entre os chamados conflitos menores, Moçambique já causou a morte de milhares de pessoas e gerou o deslocamento de 800 mil; no Burundi, 400 mil refugiados; na República Centro-Africana, 2,5 milhões; na República Democrática do Congo, 5 milhões e na Líbia 1,2 milhão.

O mais cruel dos anos

Dois mil e quinze foi o mais cruel dos anos para os refugiados e também para os governos europeus que presenciaram o maior deslocamento de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial. Naquele ano mais de um milhão e meio de fugitivos do Oriente Médio chegaram em busca de proteção e quase 4 mil morreram afogados no Mar Mediterrâneo. Tentavam a travessia em barcos precários, lotados de adultos e crianças em desespero, mas com alguma esperança. Explorados por traficantes de seres humanos, proibidos de entrar em vários países, foram depois de muita pressão acolhidos pela União Europeia.

Mas a Europa pagou internamente pela solidariedade. Os partidos de direita e, principalmente, os de extrema direita fizeram uso político do que chamaram de “invasão” dos imigrantes para assustarem a classe média que já se defrontava com uma crise econômica. Diziam estar em defesa de uma Europa cristã ameaçada pela invasão muçulmana. E a Europa viu crescerem, como se fosse a repetição de um passado sombrio, os movimentos e os partidos de natureza neofascista e neonazista, que vêm a ser de igual teor no que apresentam como programa: ódio aos imigrantes, radical nacionalismo, euroceticismo, “democracia iliberal”, restrições à liberdade de imprensa e limitação das liberdades em nome do interesse nacional. Viu-se o crescimento de partidos como o Alternativa para a Alemanha, a francesa União Nacional e a italiana Liga, além do fortalecimento de regimes como o de Viktor Orbán na Hungria e outros contrafortes do nazifascismo a exemplo da Eslovênia, Polônia, República Checa, Bulgária e Áustria.

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Os acontecimentos no Afeganistão resultaram em mais de 18 milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária. Têm necessidade de comida e água potável, sem falar de educação e cuidados de saúde, segundo o International Rescue Committee. São números que certamente vão aumentar. O medo, a repressão das mulheres e a violação dos direitos no regime talibã fazem com que para um número cada vez maior de pessoas não reste alternativa a não ser empreender a fuga e procurar asilo em outro país.

A fuga

Refugiado em Portugal, Mohammad Yusuf Taheri dá o seu depoimento ao jornal Público:

-“Quando as pessoas saem do Afeganistão, não é fácil chegar à Europa. As pessoas vendem tudo o que têm para pagar a ida, mas de 200 que saem, talvez cheguem 50. Os que têm sorte. Os outros morrem pelo caminho de fome, frio, na fronteira iraniana, na fronteira turca, nos barcos”.

A Turquia tem em seu território mais de cinco milhões de refugiados desde a guerra da Síria e seu presidente Recep Tayyp Erdogan avisou à União Europeia que seu país não continuará a servir de muro de contenção. O que deseja Erdogan é negociar a política em relação aos novos refugiados afegãos em favor da aprovação da Turquia como país membro da União Europeia. As negociações nesse sentido estão paralisadas desde 2016, depois que a UE denunciou a Turquia por violar direitos humanos e desrespeitar o Estado de direito.

A polarização

Na Alemanha, o professor Edgar Grande, diretor do Centro de Investigação da Sociedade Civil, no Centro de Ciências Sociais de Berlim, manifesta sua preocupação e diz que o tema dos refugiados deve recolocar o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) no centro da vida política, reacendendo a polarização no país. “Os acontecimentos no Afeganistão receberam muita atenção das pessoas. É um desastre, não só para a Alemanha, como também para o governo alemão. O problema foi desvalorizado e, como consequência, temos milhares de pessoas deixadas ao abandono”, disse o professor. Acrescentou que a situação no Afeganistão não é apenas um desastre político, mas também um desastre humanitário.

O primeiro governo a anunciar que não vai acolher refugiados foi o da Áustria, logo em seguida à proposta da Comissão Europeia de criar rotas e canais legais para cidadãos afegãos poderem receber proteção nos países da União Europeia.

A Áustria é governada pelo partido de direita ÖVP – Oberösterreichische Volkspartei/Partido Popular Conservador, que lidera a coligação governamental com os verdes do Alternativa Verde (Die Grüne Alternative).

Os países governados pela extrema direita – como a Hungria, Polônia e seus congêneres – vão adotar a mesma posição que tiveram durante a crise de 2015: fecharão suas fronteiras.

*Imagem em destaque: Refugiados chegam à ilha italiana de Lampedusa em agosto de 2007 (Wikimedia Commons)

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