A onda marrom

A onda marrom

A Onda Marrom pretende polarizar o apoio do extremismo radical conservador. É de se prever que o tipo de líder por ela gerado vai acabar por levar frustração aos seus seguidores, mas o estilo que inauguraram, construído por ameaças, insultos, mensagens racistas, mentiras deliberadas e complôs deve permanecer como estratégia política

Existe um velho ditado argentino que os antigos costumam citar: “Deus os cria e o Diabo os reúne”.

Uma amostra dessa sabedoria popular ficou evidente no dia da posse de Javier Milei. Reuniram-se em Buenos Aires Jair Bolsonaro, o primeiro-ministro da Hungria Viktor Orbán, o ex-candidato à presidência do Chile José Antonio Kast, o líder do Vox espanhol Santiago Abascal, o mexicano Eduardo Verástegui e o ministro de El Salvador Gustavo Villatoro, além do presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky. Junto com outras personalidades da direita menos conhecidas, eles eram nada mais nada menos do que os surfistas da “Onda Marrom“, como se convencionou chamar o movimento de extrema direita hoje presente em muitos países.

São as duas grandes ameaças que espreitam o mundo de hoje, fantasmas que podem prenunciar um futuro sombrio: o aquecimento do planeta e o crescimento dos movimentos da extrema direita que se aproximam do poder político global.

Essa Onda Marrom, internacional reacionária, tem entre seus líderes Donald Trump e seus acólitos ao redor do mundo são Jair Bolsonaro, do Brasil; os ditadores do Golfo Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, Hamad bin Isa Al Khalifa, rei do Bahrein, Khalifa Bin Zayed Al Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos; Abdel Fatah al Sisie do Egito e Benjamin Netanyahu de Israel, no Oriente Médio; Narendra Modi na Índia e Viktor Orbán na Europa. Na América do Sul, a direita governa o Uruguai, o Paraguai e agora a Argentina.

Europa

Na Europa, apenas três países continuam sem a presença da extrema direita em seus parlamentos – Malta, Irlanda e Luxemburgo. Na Espanha, o fascista Vox é a quinta força política do país. Em alguns países a direita com tonalidades fascistas governa ou está próxima do poder na Polónia, Hungria, República Checa, Áustria, Letónia, Eslováquia, Bulgária, Itália e Finlândia. Na Alemanha, o neonazista Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland) é a terceira maior força política no parlamento. Sem contar a França, onde o Rassamblement National chegou em segundo lugar nas duas últimas eleições presidenciais.

“Há vinte e sete anos, disse Viktor Orbán em um discurso, aqui, na Europa Central, nós pensávamos que a Europa era o nosso futuro; agora, sentimos que nós representamos o futuro da Europa”. Nestes tempos sombrios, Orbán se transformou em guia de muitos outros movimentos extremistas de direita em outros países europeus. O lema desses partidos é sempre “Deus, Pátria e Família”, não por acaso era o slogan dos integralistas brasileiros nos anos 1930 ressuscitado por Jair Bolsonaro.

A Onda Marrom pretende polarizar o apoio do extremismo radical conservador. É de se prever que o tipo de líder por ela gerado vai acabar por levar frustração aos seus seguidores, mas o estilo que inauguraram, construído por ameaças, insultos, mensagens racistas, mentiras deliberadas e complôs deve permanecer como estratégia política. Seus ideólogos, formuladores e estrategistas são figuras sinistras do tipo Steve Bannon, que esteve na prisão por desvio de dinheiro, o finado Olavo de Carvalho, Arthur Filkestein e o diabólico Gianroberto Casaleggio, que imaginou, criou e gerenciou nas sombras o partido robô Movimento 5 Estrelas, que tem se destacado na Itália e está a se sair mais forte a cada eleição que disputa com a candidatura dos seus avatares. Seu rosto público e principal agitador é o palhaço Beppe Grillo, personagem política criada pelo próprio Casaleggio, que morreu em 2016 mas não antes de deixar o partido como herança ao filho Davide Casaleggio. Davide gerencia o partido como se fora uma empresa privada e pretende instituir na Itália uma democracia direta via internet, abolindo a representação política, principalmente o parlamento e os outros partidos políticos.

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O momento parece dar razão a Gramsci: “O velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer, e, nesse claro-escuro, irrompem os monstros”.

Os progressistas

Para não dar razão aos que dizem que a esquerda não se move, há em gestação uma Internacional Progressista, formada principalmente por partidos de centro esquerda e alguns respeitáveis intelectuais, entre eles Noam Chomsky, Naomi Klein, Yanis Varoufakis e Fernando Haddad, dentre outros, que se declaram defensores da democracia, da solidariedade, da igualdade e da sustentabilidade. Um dos seus inspiradores é o senador estadunidense pelo Partido Democrata Bernie Sanders. Outros signatários conhecidos são o ex-chanceler brasileiro Celso Amorim, o ex-vice-presidente boliviano Álvaro García Linera, o ator mexicano Gael García Bernal, a escritora Arundhati Roy, o filósofo Srecko Horvat e a alemã Carola Rackete, capitã de embarcação e símbolo do resgate de migrantes no Mediterrâneo. Procuram contrapor-se à Onda Marrom, que tem em Donald Trump uma das suas principais lideranças.

É de se considerar também como resistência na Europa o Partido da Esquerda Europeia (em inglês: Party of the European Left (PEL), ou European Left ), do qual faz parte a maioria dos partidos comunistas europeus e seus sucessores, além de outras forças de esquerda anticapitalistas, inclusive socialistas democráticos.

Estão muito bem delimitados os campos. A direita com as suas teses de ódio aos imigrantes, nacionalismo exacerbado, contra a União Europeia, negacionismo, antivacina e anticomunismo. E a esquerda com o seu ideário humanista que está permanentemente a veicular: solidariedade entre os povos, defesa do meio ambiente, direitos humanos, anticapitalismo, defesa dos trabalhadores.

O site esquerda.net (https://www.esquerda.net/), editado pelo Bloco de Esquerda de Portugal, advertiu que a esquerda, em todos os países – com algumas exceções – não percebeu o perigo. Não viu a onda marrom que estava a se preparar e não achou necessário tomar a iniciativa de uma mobilização antifascista. Para certas correntes de esquerda, a extrema-direita não é mais do que um produto da crise e do desemprego, sendo estas as causas que se deve atacar, e não ao fenómeno do fascismo em si. Estes raciocínios tipicamente economicistas, diz esquerda.net, desarmaram a esquerda perante a ofensiva ideológica racista, xenófoba e nacionalista da extrema-direita.

A Onda Marrom não possui um programa ideológico único. Existe uma certa diversidade de ideias. Conta com partidos que se declaram neonazistas, a exemplo do grego Aurora Dourada. E também com forças políticas tradicionais como a UDC da Suíça, autêntica representante da política como sempre tem sido praticada. O que é comum a todos é o nacionalismo chauvinista, a xenofobia, o racismo, o ódio aos imigrantes – sobretudo os não europeus – e aos ciganos (o mais antigo povo da Europa), a islamofobia, o anticomunismo. Na maioria deles estão presentes também o antissemitismo, a homofobia, a misoginia, o autoritarismo, o desprezo pela democracia, a eurofobia.

Nas raízes históricas desses partidos encontra-se a traição e o colaboracionismo com o Terceiro Reich alemão durante a Segunda Guerra Mundial.

*Imagem em destaque: Chefes de estado na posse de Javier Milei como presidente da Argentina, em 10/12/2023 (X/Casa Rosada)

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