Desafios e contradições da exploração do cobre no Peru

Desafios e contradições da exploração do cobre no Peru

O cobre desempenha um papel relevante na transição energética. Na América Latina, o Peru representa 10% da produção mundial de cobre, sendo a Cerro Verde a principal mineradora neste setor. No entanto, esse sucesso convive com mais de uma década de conflitos socioambientais. Assim, o futuro da mineração está preso a práticas operacionais deficientes que afetam comunidades e territórios, governanças desalinhadas com metas climáticas e os impulsos das mineradoras para reduzir sua pegada de carbono em tempo limitado

Por Alejandra Thais

TIABAYA, Peru – No silêncio matinal de Tiabaya, antes do raiar do sol, Rogelio Roel inicia seu dia. Antes, prepara uma bebida quente para aliviar a tosse seca que o acompanha sempre ao acordar e dirige-se à sua fazenda, onde seus cultivos de cebola, alho, alface e aipo o aguardam para a rotina de limpeza. Se não for ágil, o a poeira branca que se deposita sobre eles endurecerá assim que o sol nascer.

A 40 minutos do distrito de Arequipa, a poeira branca encontra sua origem como subproduto da atividade mineradora. Cerro Verde, a gigantesca operação do grupo econômico Freeport-McMoRan Inc. (FCX), destaca-se como uma das principais produtoras de cobre no Peru, país que ocupa o segundo lugar mundial na produção do mineral.

De fato, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), o Peru representa 10% da produção mundial de cobre. A atividade mineradora desempenha, portanto, um papel crucial na economia peruana, gerando 65% das divisas do país por meio de suas exportações para China, Índia, Estados Unidos, Canadá, entre outros.

Desde a expansão de Cerro Verde em 2016, que aumentou sua produção anual de cobre em 272 mil toneladas, a empresa se destacou como líder na produção de cobre, chegando a representar 2,6% do PIB nacional e 34% do PIB de Arequipa. Apenas entre janeiro e novembro de 2023, a empresa produziu 432.184 TMS (toneladas métricas secas).

Além dessa demanda crescente e em consonância com os esforços em direção à transição energética, as empresas mineradoras buscam empreender iniciativas de descarbonização de suas operações. Essas medidas visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e mitigar o impacto ambiental associado às suas atividades mineradoras.

“Até 2026, alcançaremos a meta de obter quase 100% da energia que consumimos de fontes renováveis”, afirmou a vice-presidente da Cerro Verde, Julia Torreblanca, durante o conservatório Jueves Minero Especial, organizado pelo Instituto de Minas do Peru (IIMP).

Torreblanca destacou que a maior parte do suprimento viria de fontes hidráulicas e solares e que até 2050 pretendem tornar as suas operações neutras em carbono. No entanto, a dois anos da meta, os esforços da mineradora são mínimos se comparados com as expectativas levantadas.

Caminho para a descarbonização: o caso Cerro Verde

Globalmente, as emissões de GEE provenientes da produção de cobre representam cerca de 0,2%, de acordo com um relatório da AIC. Para reduzir seu impacto, membros da instituição, que abrange 50% da produção mundial deste mineral, assumiram compromissos para alcançar a meta de Zero Emissões de GEE até 2050 em todo o setor. Cerro Verde figura como um dos membros que subscrevem este compromisso.

Em 2020, a empresa mineradora implementou o Sistema de Gestão de Energia para identificar iniciativas de eficiência energética. Em 2021, juntaram-se à Associação Peruana de Hidrogênio (H2 Peru), uma organização que busca impulsionar o uso do vetor energético. No entanto, até o momento, não implementaram nenhum protótipo ou projeto específico.

Em 2022, a empresa apostou no uso de caminhões de transporte elétricos como uma alternativa de substituição de combustíveis fósseis, mas um ano após este marco, ainda não substituíram completamente toda a sua frota.

Suamy Pérez, especialista em energias renováveis e mudanças climáticas, destaca que, embora a introdução de caminhões elétricos contribua para a redução da pegada de carbono da Cerro Verde, é necessário levar em consideração a crise energética que o Peru enfrenta devido a fatores como a mudança climática.

Isso, somado ao Fenômeno El Niño, causou uma diminuição das vazões dos rios na região serrana, onde a influência hídrica é mais significativa. Essa redução tem desencadeado secas nas centrais hidrelétricas, afetando sua capacidade de produzir energia suficiente em comparação com anos anteriores.

“Se há alguns anos atrás o Peru era um país com 50% de energia hidrelétrica, hoje diminuiu para 30%, o que implica que a porcentagem restante é coberta pela queima de combustíveis fósseis, especialmente petróleo. Embora a empresa mineradora tenha mudado sua tecnologia para elétrica, ainda está consumindo combustíveis fósseis. Apesar dos esforços realizados, sua fonte de energia continuará sendo aproximadamente um percentual de hidrocarbonetos devido à composição de gás e petróleo”, diz Pérez.

Uma solução alternativa de grande impacto que Suamy propõe para este desafio é a autogeração através da construção de usinas solares ou eólicas próprias. A primeira empresa mineradora a implementar isso no país foi a Quellaveco, um projeto de cobre desenvolvido pela Anglo American e Mitsubishi Corporation, que é abastecido por fontes de energia renovável graças à Central Eólica Punta Lomitas, inaugurada em junho do ano passado.

A dois anos da meta de 2026, Cerro Verde ainda enfrenta desafios pendentes para garantir que 100% de sua energia provenha de fontes renováveis. Embora o setor minerador desempenhe um papel na transição energética, este caminho é acompanhado por um alto risco de degradação ambiental e possíveis impactos nas comunidades e territórios adjacentes.

Uma entrevista foi solicitada à entidade responsável pela Cerro Verde, mas, até o final desta edição, não houve resposta.

Violações ambientais junto a prêmios e reconhecimentos

Os reconhecimentos e ações da Cerro Verde são contrastados por um histórico de mais de 13 infrações ambientais que afetaram, por quase 20 anos, os habitantes e territórios de seis distritos de Arequipa: Socabaya, Uchumayo, Tiabaya, Hunter e Yarabamba. A esses incidentes se somam casos de más práticas que questionam a sustentabilidade da empresa.

As duas últimas sanções impostas pelo Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental (OEFA) à Cerro Verde são prova disso.

A mais recente ocorreu em maio de 2021, quando a mineradora foi multada em 21,1171 UIT (1,177 dólares por UIT) por não cumprir as atividades relacionadas à prevenção de riscos do Subprograma de Treinamento e Assistência Técnica estipulado em seu Estudo de Impacto Ambiental.

A sanção anterior, em junho de 2019, foi aplicada quando se identificou que a empresa não adotou medidas de prevenção e controle para evitar que a água da Jazida de Compensação da Mina Oeste se infiltrasse no solo, representando uma ameaça para o desenvolvimento da flora do entorno.

Entre outras infrações, o OEFA também revelou que os níveis de partículas finas no ar, identificadas como PM10 e PM2,5, excederam os limites permitidos por lei.

Por um lado, as partículas maiores são transportadas pelo vento e, na forma de poeira, costumam depositar-se sobre a vegetação, enquanto as mais finas conseguem penetrar no aparelho respiratório das pessoas, causando-lhes doenças associadas a esse tipo de poluentes.

É assim que a rotina matinal de Rogelio, relatada no início deste artigo, reflete a realidade de muitos moradores das comunidades próximas à Cerro Verde, afetadas pelo impacto das operações da empresa na região.

Poeira branca nas colheitas. Imagem: Rogelio Roel/Frente de Defesa Tiabaya

No mesmo ano em que a Cerro Verde acumularia uma nova denúncia, desta vez pelo veículo jornalístico El Búho, por realizar monitoramentos participativos de maneira sigilosa e irregular, a mineradora foi agraciada com o Prêmio de Inovação Tecnológica organizado pela Sociedade Nacional de Mineração, Petróleo e Energia (SNMPE).

Dois anos depois, receberia o Prêmio Nacional de Mineração 2022, concedido no evento PERUMIN 35, por conseguir maximizar sua produção de cobre graças ao uso da Inteligência Artificial (IA).

Governo peruano prioriza o investimento

José de Echave, ex-vice-ministro de Gestão Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MINAM), destaca o cobre como o mineral que conecta o Peru com os cenários de transição energética. No entanto, ele aponta que sua produção tem afetado direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais devido à insuficiência de políticas públicas.

“Hoje o setor de mineração fala sobre responsabilidade social e ambiental e até sobre uma mineração climaticamente inteligente, mas isso é insuficiente. O que o país deveria discutir é quais são os desafios, em termos de construir uma proposta de governança alternativa que busque construir equilíbrios econômicos, sociais, culturais e ambientais”, afirma Echave.

Em 2023, a produção de cobre alcançou cerca de 2,7 milhões de toneladas métricas secas. A este respeito, Óscar Vera, ministro de Energia e Minas (MINEM), afirmou, como parte da ‘Semana da Engenharia de Minas 2024’: “Neste momento, praticamente não observamos conflitos sociais. As grandes empresas do setor minerador veem o Peru como uma fonte de recursos onde há grande estabilidade para o investimento”.

Vera acrescentou que em 2024 o investimento do Ministério superaria os 5,4 bilhões de dólares.

No entanto, o que ocorre nos territórios mostra um cenário diferente, assim como a necessidade de avançar em uma transição energética justa.

Nessa linha, existem instrumentos como o Acordo de Escazú, um tratado regional que busca garantir os direitos de acesso à informação ambiental, participação pública na tomada de decisões ambientais e acesso à justiça em questões ambientais na América Latina e no Caribe.

Embora o Peru tenha participado desse processo, o Congresso da República rejeitou ratificar o Acordo em 2020 e 2022. Os argumentos por trás dessa decisão se basearam principalmente no fato de que afetaria a soberania do país e prejudicaria os investimentos.

“Ao não ter assinado o Acordo de Escazú, o Peru perdeu a oportunidade de fornecer um mecanismo de proteção internacional para suas comunidades nativas e outros grupos vulneráveis contra possíveis ataques aos seus territórios”, afirma Esteban Valleriestra, pesquisador associado do Centro de Estudos sobre Mineração e Sustentabilidade (CEMS).

Ele acrescenta que é uma pena pensar que a assinatura deste tratado afetaria os investimentos, quando na verdade representa uma oportunidade para torná-los mais sustentáveis. “É evidente que o Estado peruano está muito interessado atualmente em impulsionar o investimento estrangeiro, especialmente em projetos de mineração”.

Durante o painel internacional “Minerais críticos: Como a América Latina pode se beneficiar de seu papel-chave na transição energética global?”, organizado pelo jornal britânico Financial Times em novembro do ano passado, foi perguntado ao ministro Vera quais eram as ações que o governo peruano estava tomando para alcançar uma transição energética justa.

Mas sua resposta não abordou o objetivo da pergunta e colocou em primeiro plano o tema do investimento: “Nosso governo está focado em atrair investimentos. Estamos trabalhando para aproximar as comunidades dos empresários, mostrando os grandes benefícios que o investimento lhes traz, onde eles podem participar como fornecedores da atividade. Estamos desenvolvendo programas educacionais onde damos palestras aos representantes jovens para mostrar a eles de uma perspectiva diferente os benefícios dessa atividade. Estamos confiantes de que estamos aproximando muito mais as comunidades dos empresários”.

Imagem: Ra Dragon / Unsplash

Um cenário contraditório em direção a um futuro sustentável

Num contexto em que a crescente demanda por tecnologias renováveis impulsiona uma alta demanda por cobre, tanto o Peru quanto a Cerro Verde desempenham um papel crucial.

Apesar dos esforços da empresa para se posicionar como uma operação sustentável, implementando medidas que otimizem os benefícios econômicos e de produção e que reduzam sua pegada de carbono, essas tentativas são obscurecidas pelas últimas denúncias e sanções ambientais acumuladas que questionam a viabilidade de um desenvolvimento “sustentável” da mineração.

“A mineração é uma atividade que é e continuará sendo importante, mas se pensarmos em fazer mineração como a fizemos nos últimos 20, 30 anos, já conhecemos os resultados, e o país precisa avançar. A transição energética deve ser pensada em termos sociais e ecológicos e não deve contemplar áreas de sacrifício”, diz Echave.

De acordo com o último relatório da Defensoria do Povo, até janeiro de 2023 foram registrados 215 conflitos, dos quais 134 são de natureza socioambiental e 88% deles relacionados às indústrias de extração.

Para alcançar uma transição energética justa, é essencial que esta se concentre nas pessoas e na preservação do ambiente em que vivem. Isso implica a implementação de políticas que promovam a inclusão de setores excluídos e garantam o acesso à justiça ambiental. Esta responsabilidade, visando 2050, exige uma maior ação e rapidez por parte dos diversos atores envolvidos.

Este artigo foi elaborado com o apoio do Climate Tracker América Latina.

*Imagem em destaque: Cerro Verde, projeto de mineração localizado no distrito de Arequipa, no norte do Peru. Imagem: Institucional

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução/Revisão: Marcos Diniz

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