EUA se agita em disputa com o México sobre milho transgênico
Por Timothy A. Wise
CAMBRIDGE, Estados Unidos – Já foram concluídas as alegações na disputa comercial dos Estados Unidos contra as restrições impostas pelo México ao milho transgênico, e o tribunal de três árbitros se pronunciará sobre o assunto em novembro. A própria legitimidade do acordo comercial está em jogo.
Ao longo do processo, que durou um ano, o México desmantelou as alegações dos EUA, demonstrando que suas medidas cautelares são permitidas pelo acordo comercial, que as restrições pouco afetam as exportações americanas e que há uma vasta quantidade de evidências científicas que justificam suas políticas.
O tribunal permitirá que os Estados Unidos usem um acordo comercial para barrar uma política que mal afeta o comércio?
O governo dos EUA solicitou esse processo formal de resolução de controvérsias há um ano, no âmbito do Tratado México-Estados Unidos-Canadá (T-MEC), devido ao decreto presidencial mexicano de fevereiro de 2023 que restringia o uso de milho transgênico nas tortillas e eliminava gradualmente o uso do herbicida glifosato, aplicado em 80% do milho americano.
O México citou provas da presença de milho transgênico e glifosato nas tortillas e outros alimentos comuns feitos de milho, documentando os riscos dessa exposição, especialmente para a população mexicana que consome mais de 10 vezes a quantidade de milho per capita que é consumida nos EUA.
Onde está a restrição comercial?
A demanda dos EUA tem sido enganosa desde o início, erroneamente rotulando o decreto presidencial mexicano como uma “Proibição do Milho para Tortillas” e uma “Instrução de Substituição” para eliminar gradualmente as importações de milho transgênico amarelo para alimentação animal.
O México, em suas apresentações escritas no caso, refutou repetidamente esses termos. Ao chamá-lo de “proibição do milho para tortillas”, os EUA sugerem que o México proibiu as exportações americanas de milho branco, utilizado nas tortillas. Mas isso não é verdade. Apenas o uso de milho transgênico foi proibido em tortillas e outros alimentos minimamente processados (moídos) de milho branco. Trata-se de uma proibição de uso, não de importação. As exportações de milho branco, incluindo o transgênico, continuam fluindo dos EUA para o México, mas não podem ser utilizadas na cadeia alimentar da tortilla e da massa.
Como a imensa maioria das exportações de milho dos EUA são variedades amarelas para ração e usos industriais, a restrição pouco afeta os produtores americanos. Onde está, então, a restrição comercial?
Grande parte do argumento dos EUA se baseia em sua caracterização enganosa da “Instrução de Substituição” como uma restrição comercial. Mas isso não é verdade. Os EUA argumentam que o decreto de 2023 ordena a eliminação eventual de todas as importações de milho transgênico, ameaçando o mercado mexicano de 5 bilhões de dólares anuais em milho amarelo dos EUA, 97% das exportações americanas, utilizadas principalmente como ração.
Apesar de o México não impor restrições às exportações americanas e não ter planos de fazê-lo, os EUA argumentam que o mandato mexicano ameaça os futuros benefícios esperados do acordo comercial.
O advogado Ernesto Hernández López confrontou essa alegação dos EUA, apontando que não há qualquer mandato para deixar de usar milho transgênico, apenas para cultivar mais fontes alternativas de ração não transgênica e usá-las conforme disponíveis. O decreto original usa o termo “substituição gradual”, não “instrução”, e deixa claro que depende da disponibilidade de suprimentos.
Como ressalta Hernández López, o tribunal comercial não deve aceitar um argumento americano baseado quase exclusivamente em reduções hipotéticas futuras das importações mexicanas transgênico para alimentação animal.
O argumento dos EUA é ainda mais fraco considerando que as exportações de milho forrageiro dos EUA para o México aumentaram significativamente desde o decreto de 2023, como resultado de colheitas fracas devido à seca.
Considerando os fatos
O tribunal do T-MEC deve considerar os fatos:
– As políticas mexicanas sobre milho transgênico mal afetaram os exportadores americanos. As exportações de milho amarelo estão em alta, e a fronteira está aberta para os exportadores de milho branco, inclusive para tortillas, se os agricultores americanos mudarem para variedades não transgênicas.
– O acordo T-MEC permite políticas cautelares como essas e até concede exceções especiais para políticas que apoiam práticas culturais indígenas. Os tribunais mexicanos já determinaram repetidamente que os mexicanos têm direito constitucional à proteção de seu milho patrimonial.
– O governo mexicano e cientistas especializados no caso apresentaram montanhas de dados científicos revisados por especialistas que documentam os riscos para os mexicanos do milho transgênico com resíduos de glifosato, evidências que o governo dos EUA em grande parte ignorou em suas refutações formais no caso.
– Os EUA ficam com o fraco argumento de que as restrições do México são uma medida sanitária e fitossanitária (MSF) e requerem uma rigorosa avaliação de riscos antes da promulgação da política. O México argumenta que a política vai além de uma medida sanitária porque também protege o meio ambiente e os direitos indígenas. Portanto, essa avaliação de riscos não é necessária. No entanto, o México apresentou numerosos dados científicos que demonstram a existência de riscos.
O governo mexicano também destacou o quão relaxado e cheio de conflitos de interesse é o processo regulatório dos EUA para o milho transgênico, uma acusação apoiada pelo Centro de Segurança Alimentar dos EUA. Isso significa que, como dizia uma manchete da Reuters em março, “o México espera provas dos EUA de que o milho transgênico é seguro para sua população“.
Após centenas de páginas de documentos e dois dias de audiências, o México ainda aguarda essas provas. Espera-se que o tribunal pese os fatos, rejeite a demanda dos EUA e não permita que o país abuse de um acordo comercial para barrar uma política de que não gosta.
Timothy A. Wise é pesquisador sênior no Instituto de Meio Ambiente e Desenvolvimento Global da Universidade de Tufts, nos EUA. É autor, entre outras obras, de “Eating Tomorrow: Agribusiness, Family Farmers and the Battle for the Future of Food” (Comer Amanhã: Agronegócio, Agricultores Familiares e a Batalha pelo Futuro dos Alimentos).
*Imagem em destaque: SMNP
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e Revisão: Marcos Diniz
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