Haiti atinge ponto crítico com o aumento da violência
Por Corresponde da IPS
Autoridades das Nações Unidas destacam a necessidade de apoiar o país caribenho em termos de segurança e de um processo político que garanta estabilidade a longo prazo
NAÇÕES UNIDAS – A violência protagonizada por gangues, que no ano passado ceifou cerca de 4.800 vidas, levou o Haiti a um “ponto crítico”, advertiu Maria Isabel Salvador, enviada especial do Conselho de Segurança das Nações Unidas nesta quinta-feira (25).
O Haiti “continua assolado por uma violência crescente devido a um aumento sem precedentes de sequestros, estupros e outros crimes cometidos por gangues armadas”, afirmou Maria Isabel, representante especial do Secretário-Geral da ONU, António Guterres.
“Não é exagero falar sobre a gravidade da situação no Haiti, onde múltiplas crises prolongadas atingiram um ponto crítico que afeta cada vez mais os meios de subsistência da população e mina as atividades humanitárias”, acrescentou a diplomata equatoriana.
No ano passado, o Escritório das Nações Unidas no Haiti, dirigido por Salvador, registrou mais de 8.400 vítimas diretas da violência das gangues, incluindo 4.789 mortos e vários milhares de feridos e sequestrados, um aumento de 122% em comparação com os números de 2022.
Dos assassinatos e ferimentos, 83% ocorreram na capital, Porto Príncipe, com 1,1 milhões de habitantes e às margens da baía caribenha que leva o seu nome. A violência também se estendeu para outras áreas, especialmente no departamento de Artibonite, a noroeste do país.
Ao sul da capital, as gangues realizaram ataques em larga escala para controlar áreas-chave e continuam a utilizar sistematicamente a violência sexual nas áreas que controlam, colocando em perigo mulheres e meninas de apenas 12 anos.
A violência, o deslocamento e a perda de meios de subsistência levaram milhares de crianças vulneráveis ao recrutamento por gangues que operam no país, o mais pobre do hemisfério, com 27.755 quilômetros quadrados e 11,5 milhões de habitantes.
Desde a última apresentação de Salvador ao Conselho de Segurança, em outubro, pelo menos 75 pessoas foram mortas por movimentos civis de autodefesa que surgiram como meio de proteção contra as gangues.
Por sua vez, a chefe do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, Ghada Waly, disse ao Conselho que “enquanto as gangues tiverem acesso a armas de fogo altamente sofisticadas, continuarão a ser capazes de submeter a população haitiana a um reinado de terror”.
Em um relatório de outubro de 2023, o escritório de Waly identificou quatro rotas marítimas e terrestres principais para os fluxos ilícitos de armas de fogo e munições, provenientes principalmente dos Estados Unidos.
Um segundo relatório, de janeiro de 2024, menciona o contrabando de armas e outros ilícitos por via aérea, já que no pequeno país existem pelo menos 11 pistas de aterrissagem informais ou clandestinas.
Algumas gangues até se especializaram na compra, armazenamento e distribuição de armas e munições.
Salvador disse que seu escritório está trabalhando para fortalecer a Polícia Nacional do Haiti (PNH), com ênfase no desempenho e treinamento em inteligência.
No entanto, as altas taxas de deserção reduzem ainda mais a capacidade da PNH de enfrentar a violência das gangues e manter a segurança.
“Nos últimos meses, o governo e a comunidade internacional fizeram esforços louváveis para aumentar seu apoio à PNH. Isso inclui um aumento de 13% no orçamento estatal alocado para a PNH, bem como o fornecimento de equipamentos de proteção pessoal, veículos blindados e armas”, disse Salvador.
Seu escritório mantém “consultas estreitas” com as autoridades haitianas para entender melhor suas expectativas em relação ao potencial impacto que o desdobramento da Missão Multinacional de Apoio à Segurança, autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU, poderia ter.
Essa missão, inicialmente liderada por um contingente de 1.000 efetivos fornecidos pelo Quênia, ainda não se concretizou apesar do aval do Conselho de Segurança.
Salvador pediu aos Estados-membros da ONU que “contribuam generosamente” para garantir o desdobramento oportuno dessa missão multinacional no Haiti.
No entanto, ela estimou que “embora melhorar a situação de segurança seja essencial para quebrar o ciclo de crises no Haiti, a estabilidade a longo prazo só pode ser alcançada por meio de um processo político inclusivo apoiado pelo país”.
O Haiti é governado pelo primeiro-ministro Ariel Henry desde a morte do presidente Jovenel Moïsi em julho de 2021, e Salvador observou que, embora o diálogo e as consultas continuem, persistem diferenças nas modalidades de governança, o que dificulta o progresso na frente política.
*Imagem em destaque: Ruas congestionadas em Porto Príncipe, a capital do Haiti, onde gangues criminosas estabeleceram um estado de violência. Imagem: Roger LeMoyne / Unicef
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução de Marcos Diniz
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