A luta invisível das mulheres por justiça climática no Nepal

A luta invisível das mulheres por justiça climática no Nepal

Por Tanka Dhakal

KATMANDU – Um grupo alinhado com o prefeito do município de Chhayanath Rara, no leste do Nepal, agrediu fisicamente Aishwarya Malla simplesmente porque ela solicitou uma revisão do orçamento do governo local.

“Como vice-prefeita, tenho o direito de saber para onde vai o orçamento, mas a equipe do prefeito me agrediu”, disse Malla. “Fizeram isso apenas porque sou mulher, mas esquecem que também sou uma representante eleita com a responsabilidade de servir o povo, especialmente as mulheres e os setores marginalizados da nossa sociedade”, afirmou.

Malla tem lutado arduamente para que sua voz seja ouvida. No início de maio, ela pediu apenas alguns minutos para expor os problemas relacionados às mudanças climáticas em sua região, durante o Diálogo Internacional sobre o Clima, realizado em Katmandu. “Se querem conhecer a realidade do terreno, devem dar tempo para que falemos”, afirmou com voz forte e apaixonada, mas não teve nenhuma oportunidade. “Representamos as mulheres e os setores mais baixos da sociedade, mas ninguém nos escuta nem quer nos dar nosso lugar”, lamentou.

No Nepal, os governos locais têm a responsabilidade de serem a autoridade mais próxima e acessível para servir a população. Os representantes eleitos administram suas circunscrições. Em cargos de liderança local, como prefeitos e seus adjuntos, a representação de mulheres como candidatas é obrigatória para os partidos políticos. No entanto, apenas 25 governos locais têm mulheres no cargo de prefeita ou presidente, e dos 753 governos locais, há 557 vice-prefeitas ou vice-presidentes mulheres.

Principalmente, as mulheres líderes são forçadas a permanecer na segunda linha de poder. Apesar disso, como sustenta Malla, são as mulheres a quem as pessoas necessitadas recorrem, enquanto elas lutam para encontrar seu lugar na esfera política local dominada por homens. “Isso está afetando nossos esforços para encontrar soluções e medidas de adaptação ao impacto das mudanças climáticas em nossa comunidade, e o mesmo ocorre com outras questões”, explicou Malla, expressando sua frustração.

Aishwarya Malla (à esquerda), vice-prefeita do município de Chhayanath Rara, leste do Nepal, e Shanti Malla Bhandari, vice-presidente do município rural de Guthichaur. Imagem: Tanka Dhakal/IPS

Luta local em uma plataforma nacional

Durante o Diálogo Internacional de Especialistas sobre Montanhas, Pessoas e Clima, organizado pelo governo do Nepal e realizado em 22 e 23 de maio, os especialistas debateram a importância da adaptação liderada localmente para enfrentar os impactos das mudanças climáticas na comunidade. No entanto, as comunidades locais não foram representadas, como no caso de Chhayanath Rara, parte do distrito de Mugu na província de Karnali, a maior do país.

Apsara Lamsal Lamichhane, vice-presidente da municipalidade rural de Helambu, no distrito de Sindhupalchok, parte da província centro-ocidental de Bagmati, expressou sua frustração durante a rodada de perguntas. “Somos nós que sofremos os graves impactos das mudanças climáticas e estamos tentando encontrar maneiras de nos adaptar”, disse ela, enfurecida, quando seu microfone estava prestes a ser desligado. “Mas o governo central nem sequer nos ouve e não temos a oportunidade de apresentar a realidade de nossas regiões em plataformas como esta”, acrescentou Lamichhane.

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Lamichhane, Malla e outras mulheres em cargos de vice-prefeitas ou vice-presidentes compartilham a mesma queixa: os governos provinciais e centrais não ouvem suas preocupações, nem mesmo sobre as perdas causadas pelas mudanças climáticas. “A nível local, o prefeito ou presidente tenta nos silenciar. Nos convidam para discussões nacionais como esta, mas não nos permitem falar. Essa é a nossa realidade”, afirma Shanti Kumari Malla Bhandari, vice-presidente da municipalidade rural de Guthichaur, no distrito de Jumla, também parte de Karnali.

Apsara Lamsal Lamichhane, vice-presidente do município rural de Helambu, no distrito nepalês de Sindhupalchok, conseguiu levantar a voz durante o Diálogo Internacional de Especialistas sobre Montanhas, Pessoas e Clima, realizado em Katmandu. Imagem: Tanka Dhakal/IPS

A mesma história no cenário internacional

Assim como existem obstáculos internos para conseguir ao menos alguns minutos para apresentar questões das comunidades locais, os especialistas e líderes nacionais se queixam de que nos fóruns internacionais sobre o clima suas vozes são silenciadas e não lhes é dado espaço suficiente para apresentar a realidade da crise climática.

O ex-ministro do Exterior, Bimala Rai Paudyal, reconhece que há muito a ser feito para fomentar uma discussão fluida internamente e criar um ambiente de escuta para aqueles que conhecem o que acontece nas bases sociais. “Estamos trabalhando isolados. Há uma lacuna na comunicação entre ministérios e, sim, os representantes locais devem lutar muito para que suas vozes sejam ouvidas”, afirmou Paudyal, agora ativista pela representação das mulheres nos debates sobre mudanças climáticas.

“Não só as mulheres são as principais vítimas da crise climática, como também são as primeiras a responder. Precisamos dar-lhes espaço e, só então, poderemos apresentar nossa posição em fóruns internacionais. Mas há um longo caminho a percorrer”, ressaltou. Ele afirma que, para ter um melhor poder de negociação nos fóruns mundiais, os debates internos devem dar prioridade às vozes locais. “Se nos ouvirmos aqui, poderemos elevar nossa voz coletiva com muita convicção em fóruns internacionais, como a Conferência das Partes (COP) e os comitês de financiamento climático”, disse.

Segundo Raju Pandit Chhetri, que trabalha na negociação sobre financiamento climático, para países como o Nepal, dependentes de doações de países e agências, não é fácil negociar no cenário local. “Já existe uma relação de doador-receptor e nossa mentalidade pode ser relutante em negociar com firmeza temas de financiamento climático. Acho que esse tipo de mentalidade também pode existir a nível nacional”, disse, acrescentando: “Temos que derrubar essa barreira de hesitação tanto internamente quanto no cenário global”.

*Imagem em destaque: Agricultoras em Helambu, no distrito de Sindhupalchok, no centro do Nepal. Foto: Tanka Dhakal / IPS

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e Revisão: Marcos Diniz

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