Cuba busca apoio para reerguer sua economia
A Rússia aparece entre os principais fornecedores de combustível de Cuba. É também um dos 10 principais parceiros comerciais do país e em 2022 o comércio foi de cerca de 452 milhões de dólares.
Por Luis Brizuela
HAVANA – A revisão e a assinatura de novos acordos com diferentes países estão moldando um cenário mais favorável para Cuba, além de abrir oportunidades para aumentar o comércio, o investimento e reativar sua economia deprimida.
Destacam-se os planos com a Rússia, com a qual esse país insular do Caribe mantém relações consideradas “estratégicas”, embora ainda distantes e com condições diferentes daquelas mantidas por três décadas com a antiga União Soviética, ex-aliada ideológica.
Até a dissolução da União Soviética em 1991, Havana e Moscou mantiveram uma estreita aliança política e econômica. Cuba tinha um mercado preferencial para seus principais produtos de exportação, como açúcar, enquanto os soviéticos forneciam cerca de 13 milhões de toneladas de petróleo por ano e outros produtos a preços subsidiados.
A Rússia é o quinto parceiro comercial da ilha e em 2022 o comércio foi de 452 milhões de dólares.
Além das oportunidades de negócios, a nação eslava teria em Cuba a possibilidade de reforçar sua presença na América Latina e no Caribe, dada a reorganização do cenário geopolítico, o aumento das tensões com os Estados Unidos devido à guerra com a Ucrânia e as sanções de Washington e da União Europeia (UE) que limitam ou promovem o boicote de suas matérias-primas e produtos.
No caso de Havana, o recebimento de investimentos russos poderia oxigenar setores que necessitam de investimentos milionários, como energia, transporte, mineração, aviação civil, agricultura e a indústria açucareira, entre outros essenciais para o cumprimento do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social até 2030.
“Ações para construir alianças e relacionamentos com outros países sempre serão essenciais para uma economia aberta como a de Cuba, e não apenas em resposta a uma crise, ou porque um fim próximo do bloqueio econômico dos Estados Unidos a Cuba não é visível”, disse o especialista em assuntos econômicos Ariel Terrero em diálogo com a IPS.
Terrero opinou que, mesmo diante de uma hipotética melhoria nas relações com o país vizinho, um dos principais mercados do planeta e a 90 milhas náuticas (cerca de 167 quilômetros) da ilha, “seria duplamente aconselhável multiplicar, diversificar aliados comerciais no exterior, para que um erro histórico de monodependência estrangeira não seja repetido”.
O especialista ressaltou que essas alianças “se tornam uma necessidade urgente” para um problema essencial da economia do país caribenho: “a falta de capital”.
Nos últimos cinco anos, o fortalecimento do embargo de Washington contra Havana, a pandemia de covid-19 e os efeitos do conflito entre Rússia e Ucrânia abalaram ainda mais a economia cubana, cujas taxas de crescimento ainda estão muito distantes dos 6% recomendados para sustentar os planos de desenvolvimento.
Embora o governo tenha relaxado as políticas “para promover o investimento estrangeiro, mesmo em espaços que permaneceram fechados para essa opção, como o comércio atacadista e varejista doméstico, ainda não se conseguiu muito até agora”, contrastou Terrero, que é jornalista de profissão.
Ele mencionou como uma das causas a persistência “arbitrária na lista de países que patrocinam o terrorismo. Com base nesse critério, Washington sanciona bancos e empresas de terceiros países que constroem relações comerciais e financeiras com Cuba.
Rússia
De 17 a 19 de maio, foi realizado em Havana o Fórum Empresarial Econômico Cuba-Rússia, no contexto da XX Sessão da Comissão Intergovernamental de Colaboração Econômica-Comercial e Científico-Técnica, bem como da XI Sessão do Comitê Empresarial Bilateral.
O encontro contou com a presença do vice-primeiro-ministro russo, Dmitri Chernishenko, e Boris Titov, comissário do presidente da Federação Russa para os direitos dos empresários e presidente da seção russa do Comitê Empresarial.
Titov afirmou que está sendo negociada a exploração de terras cubanas em usufruto por 30 anos e a importação de equipamentos agrícolas isenta de impostos, destacou a agência de notícias russa Sputnik.
Sem outros detalhes sobre o possível acordo, investimentos russos na agricultura cubana poderiam impulsionar um setor que necessita urgentemente de reformas significativas e é marcado por baixas produções.
Apesar de dezenas de medidas governamentais para tentar estimular a produção e uma Lei de Soberania Alimentar e Educação Nutricional, Cuba ainda precisa importar de 70% a 80% dos alimentos que consome.
Durante o Fórum, Titov também mencionou que três bancos russos apresentaram solicitações ao Banco Central de Cuba (BCC) para abrir filiais na ilha.
Desde março, o sistema bancário da ilha aceita cartões do sistema de pagamento russo MIR, e saques podem ser feitos convertendo rublos em pesos cubanos, o que busca gerar incentivos para turistas e empresários daquele país.
Chernyshenko apontou que eles esperam “no futuro muito próximo” poder pagar com cartões russos em lojas, cafés e restaurantes cubanos.
“Entre os projetos a serem priorizados estão aqueles associados ao desenvolvimento de fontes de energia renovável. A instalação de 300 megawatts ou mais de energia é avaliada como parte dos investimentos russos em parques fotovoltaicos em Cuba”, explicou Rafael Ernesto Lage, presidente da seção cubana do Comitê Empresarial Cuba-Rússia.
Em Cuba, as energias renováveis contribuem apenas com 5% da geração de eletricidade, baseando-se principalmente no uso de fontes fósseis, embora haja uma ambiciosa meta governamental de elevar a contribuição de fontes limpas para 37% até 2030.
Falando à IPS, Lage destacou que também estão planejados investimentos “no setor agrícola para a produção de alimentos, bem como na utilização de biomassa, além de impulsionar as exportações, tanto no setor estatal quanto com novos atores econômicos (setor cooperativo e privado)”.
A Rússia é um dos principais fornecedores de combustível para a ilha, e está pendente o uso de um crédito de 1,2 bilhão de dólares para construir quatro blocos de geração térmica com tecnologia desse país.
Cuba enfrenta tensões no fornecimento de eletricidade devido ao déficit de geração. A rede de usinas termoelétricas envelhecidas requer reparos contínuos e sofre constantes interrupções.
Um fator-chave nesse processo foi o cancelamento, em 2014, de 90% da dívida cubana de cerca de 27 bilhões de dólares que a Rússia herdou da extinta União Soviética. O pagamento dos 10% restantes, cerca de 3,5 bilhões, será reinvestido em Cuba, conforme acordado.
União Europeia e Vietnã
Durante sua visita a Cuba de 25 a 27 de maio, Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, confirmou o apoio do bloco ao processo de modernização da economia da ilha.
Durante o terceiro Conselho Conjunto Cuba-UE, realizado em 26 de maio em Havana, o também vice-presidente da Comissão Europeia enfatizou que o Acordo de Diálogo Político e Cooperação assinado em 2016, e que está em aplicação provisória desde 2017, é fundamental para “fortalecer nossas relações nas áreas de diálogo político, cooperação e comércio”.
Borrell destacou que o programa de cooperação para o período 2021-2024 é de cerca de 100 milhões de dólares “a serem investidos em projetos nas áreas de agricultura sustentável, energia e transição ecológica, modernização econômica e apoio ao incipiente setor privado”.
Ele ressaltou a oposição unânime da UE à manutenção do embargo dos Estados Unidos e criticou a inclusão de Cuba na lista de países que patrocinam o terrorismo, elaborada por Washington.
A UE é considerada o primeiro parceiro comercial do país caribenho, à frente da Rússia e da China, e há cerca de 700 empresas europeias instaladas na ilha, informou.
O Vietnã se estabeleceu como o principal investidor da Ásia e Oceania em Cuba e o segundo parceiro comercial dessa região.
O país asiático ocupa o segundo lugar na emissão de negócios na Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel (ZEDM), a 45 quilômetros a oeste de Havana, um projeto estratégico projetado como um centro de logística regional ou hub para a produção e redistribuição de mercadorias, no trânsito de rotas comerciais marítimas que conectam a América do Norte com o Canal do Panamá.
Em abril, Vuong Dinh Hue, presidente do parlamento vietnamita, esteve em Havana e participou do fórum empresarial Vietnã-Cuba. Ambos os países identificaram potenciais áreas de investimento em projetos de energia renovável, turismo, produção de alimentos, construção e biotecnologia.
Estima-se que o comércio com o país asiático possa atingir cerca de 500 milhões de dólares por ano, dos atuais dos atuais 350 milhões de dólares.
De acordo com Terrero, como alternativa essencial está a construção de alianças com outros países e blocos comerciais internacionais.
“É a opção que se abre em um ambiente geopolítico global cada vez mais marcadamente multipolar. O desafio para Cuba será, então, construir ou inovar saídas em um ambiente global diferente”, argumenta.
*Publicado originalmente em Inter Press Service – IPS | Tradução de Marcos Diniz
**Imagem em destaque: Navios atracaram em frente à refinaria Ñico López, localizada em Havana (Jorge Luis Baños/IPS)
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