Urbanização acelerada na África pode trazer múltiplas consequências
A rápida transformação das cidades e o êxodo rural têm configurado um cenário de novas oportunidades e desafios, com mudanças que impactarão significativamente o desenvolvimento urbano no continente
Por Ignatius Banda
BULAWAYO, Zimbábue – Um novo relatório aponta que muitas cidades africanas experimentarão uma rápida urbanização na próxima década, trazendo uma mistura de oportunidades e desafios socioeconômicos para o continente. Espera-se que esse desenvolvimento resulte em mercados de consumo mais ricos, centros comerciais melhor conectados e mais sofisticados, e bases mais robustas para a produção industrial.
O relatório African Cities 2035, publicado no final de agosto pela Unidade de Inteligência da revista britânica The Economist (EIU, em inglês), prevê que o continente terá uma das taxas de crescimento populacional mais rápidas do mundo, com as maiores cidades africanas registrando um aumento na migração do campo para as cidades.
No entanto, os pesquisadores alertam que essa rápida urbanização poderá levar a problemas como superlotação, assentamentos informais, alto desemprego, serviços públicos inadequados, infraestrutura sobrecarregada e maior exposição às mudanças climáticas. “A África tem e continuará a ter a taxa de urbanização mais rápida entre as principais regiões do mundo até 2035. A população urbana da África passará de cerca de 650 milhões em 2023 para quase 1 bilhão em 2035”, afirma o relatório da EIU.
As cidades africanas já enfrentam dificuldades com a demanda por habitação, resultando em um aumento dos assentamentos informais, desde Cidade do Cabo, na África do Sul, até Cairo, no Egito. Isso ocorre em um momento em que os governos do continente estão ficando para trás em compromissos como o de fornecer moradia para todos até 2030.
A ONU-Hábitat estima que mais da metade da população urbana africana viva em bairros marginalizados, e prevê que esse número aumentará de 400 milhões atualmente para 1,3 bilhão de pessoas em 2050. “O rápido processo de urbanização na África deve contribuir para criar mercados de consumo mais dinâmicos e ricos, centros comerciais e de distribuição melhor conectados e mais sofisticados, e bases mais amplas para a produção industrial e operações de importação e exportação”, afirma a EIU em seu relatório.
Líderes regionais da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) destacaram em sua cúpula de 17 de agosto em Harare, a capital do Zimbábue, que a inovação e a industrialização desbloquearão o crescimento econômico do continente.
No entanto, a EIU advertiu dias depois que isso requer atenção urgente se o continente quiser obter algum benefício da rápida urbanização, apontando que “a superlotação, os assentamentos informais, a alta taxa de desemprego, a escassez de serviços públicos e a exposição às mudanças climáticas são apenas alguns dos principais desafios que os urbanistas terão que enfrentar para alcançar um crescimento econômico urbano sustentável na próxima década”.
Especialistas alertam que o continente precisa agir rapidamente para conter o deterioro associado à expansão urbana. “Os governos africanos devem, em primeiro lugar, utilizar os dados das projeções demográficas para antecipar essa demanda por habitação, escolas, eliminação de resíduos, água e transporte”, afirmou Nyovani Madise, presidente da União de Estudos Demográficos Africanos.
Em uma entrevista com a IPS, Madise, também membro da União Internacional para o Estudo Científico da População, disse que “os governos africanos deveriam investir em programas de desenvolvimento rural para que os jovens possam encontrar atividades econômicas em suas comunidades rurais, reduzindo a migração para as cidades em busca de meios de subsistência”.
A EIU prevê a formação de megacidades com mais de 10 milhões de habitantes, enquanto outras 17 cidades terão mais de 5 milhões de habitantes e outras 100 ultrapassarão um milhão. “A ascensão de novos centros urbanos e megacidades, a rápida expansão dos conglomerados de cidades e a crescente importância das megalópoles serão características marcantes do futuro demográfico e econômico da África”, afirma Pat Thacker, principal autora do relatório.
A urgência das mudanças climáticas também é abordada no relatório, sendo destacada como uma “grande preocupação para as maiores cidades africanas”. “Muitas (grandes cidades africanas) estão localizadas em áreas costeiras baixas, o que as expõe à elevação do nível do mar e às tempestades”, afirma Thacker. Segundo ela, “esses riscos climáticos terão um grande impacto no futuro dinamismo e prosperidade das cidades africanas, especialmente porque a preparação nacional e a resistência às mudanças climáticas são fracas”.
Madise alerta que um planejamento inadequado por parte dos países africanos terá consequências adversas para milhões de residentes no continente. “Os governos africanos também precisam planejar medidas de mitigação das mudanças climáticas à medida que sua população cresce, porque o crescimento demográfico, combinado com o crescimento das economias, especialmente por meio da industrialização, aumentará as emissões de gases de efeito estufa na África”, afirmou.
Ela lembrou que “o desenvolvimento urbano geralmente vem acompanhado de industrialização, que requer grandes quantidades de energia, água e sistemas de transporte eficientes”. “As cidades precisam ter políticas urbanas adequadas para garantir que a expansão energética esteja alinhada com os objetivos nacionais e globais em matéria de mudanças climáticas”, disse.
No entanto, apesar desses desafios, os países africanos são incentivados a buscar soluções internas, como a industrialização acelerada. “Não se trata apenas de conveniência. É uma questão de necessidade absoluta”, disse Claver Gatete, secretário-executivo da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (Cepa), em uma entrevista com IPS.
Na opinião dele, “não existe alternativa a não ser buscar soluções próprias, como a mobilização de recursos internos e um financiamento inovador para sustentar nosso desenvolvimento”. Como observa a EIU, acrescentou, “as maiores cidades da África estão se expandindo tanto geograficamente quanto demograficamente”, o que também afetará os resultados econômicos.
Mas, enquanto o continente luta para reduzir os níveis de pobreza, a EIU afirma que há pequenos focos de otimismo econômico, onde surgirão trabalhadores qualificados e melhor preparados, trazendo esperanças de que a urbanização do continente não leve apenas ao pessimismo.
*Imagem em destaque: Vendedores ambulantes convivem com o trânsito e os pedestres em uma rua do distrito comercial no centro de Bulawayo, a segunda cidade mais importante do Zimbábue, onde a superlotação é a nova normalidade. Foto: Ignatius Banda / IPS
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz
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