Em crise de liquidez, ONU em Genebra fecha parcialmente e pela segunda vez
Em 2023, Nações Unidas enfrentaram o pior déficit orçamentário dos últimos anos, com a menor cobrança em cinco décadas e somente 142 Estados-membros, em um total de 193, depositando a totalidade de suas contribuições.
POR THALIF DEEN
NAÇÕES UNIDAS, 2 Abr 2024 (IPS) – Diante de uma contínua crise de fluxo de caixa, a Organização das Nações Unidas em Genebra (UNOG) fechará parcialmente – e pela segunda vez desde dezembro de 2023 – à medida que reduz suas operações, incluindo o fechamento de edifícios, restrições de viagens oficiais e cortes orçamentários nas despesas.
A ONU está estudando planos de fechar o Palácio das Nações a partir de 22 de abril. Alguns escritórios seriam fechados e apenas conferências aconteceriam no local. Nos cortes anteriores da UNOG, gabinetes permaneceram fechados ou parcipalmente fechados entre 20 de dezembro de 2023 e 12 de janeiro deste ano.
O fechamento iminente não afetará as agências da ONU, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) ou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), porque elas são financiadas separadamente. A OMS obtém o seu financiamento de duas fontes principais: Os Estados Membros que pagam as suas contribuições (quotas dos países) e as contribuições voluntárias dos Estados Membros e de outros parceiros.
Em 2023, segundo Tatiana Valovaya, Diretora-Geral do UNOG, a ONU enfrentou o pior déficit orçamentário dos últimos anos, com a menor cobrança em cinco décadas, e somente 142 Estados-membros, em um total de 193, depositando a totalidade de suas contribuições. “Isso resultou numa perspectiva financeira frágil para 2024, com grave impacto grave nas nossas capacidades operacionais”, apontou.
Para fazer face a esta situação, o Gabinete das Nações Unidas em Genebra foi incumbido de reduzir as despesas não salariais em 42%, o que equivale a uma economia de mais de 15 milhões de dólares, preservando simultaneamente as funções essenciais.
A partir de 22 de abril, o UNOG aplicará medidas estratégicas de redução de custos para aumentar a eficiência e garantir a sustentabilidade. Ian Richards, economista da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), sediada em Genebra, e ex-presidente do Comitê de Coordenação dos Sindicatos e Associações Internacionais de Pessoal, disse à IPS que o custo dos pagamentos em atraso por parte dos Estados-membros está sendo empurrado para o pessoal.
Embora as reuniões intergovernamentais continuem quase sem obstáculos, os funcionários estão sendo solicitados a realizar seus trabalhos habituais fora do gabinete, salientou. “Não há espaço suficiente para o uso dos escritórios, apesar do que está sendo afirmado. O pessoal terá de trabalhar a partir de casa durante meses. Os que vivem em apartamentos apertados no centro da cidade vão precisar mudar para outro local”.
“Não tenho certeza de que tudo isto tenha sido bem pensado”, complementou Richards.
Os gabinetes da ONU afetados pelos cortes incluem a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED) e, indiretamente, o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA) e a Comissão Econômica para a Europa (CEE).
Por que o fardo não pode ser partilhado? Por que Nova Iorque não fica fechada durante um mês, depois Viena, Bangkok e Nairóbi?”, questionou Richards.
O Gabinete das Nações Unidas em Genebra (UNOG) tem de poupar 15,5 milhões de dólares devido à crise de liquidez.
“Vamos fazer tudo o que pudermos, sem alterar nossa missão fundamental”, disse a diretora do Serviço de Informação da ONU, Alessandra Vellucci, à Keystone-ATS, uma agência noticiosa suíça, na semana passada. Cada departamento tomou uma série de decisões com base nos esforços solicitados pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres.
O porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq, disse à IPS que a ONU em Nova York não tem planos de fechar as portas. “Anunciamos as nossas medidas de redução de custos em janeiro e elas ainda se aplicam”.
Numa entrevista concedida em fevereiro último, Haq afirmou que, para garantir a liquidez necessária ao pagamento dos salários do pessoal, serão necessárias medidas difíceis. As restrições para contratação terão de ser mantidas durante 2024, afirmou.
“As restrições às despesas não postais também serão fundamentais para colmatar o déficit de liquidez. Por conseguinte, até que a situação melhore, as viagens oficiais ficarão restritas às atividades essenciais”.
“As aquisições de bens e serviços serão adiadas, exceto se forem absolutamente essenciais. A contratação de consultores e peritos será minimizada dentro do possível”.
A maioria de projetos de construção e manutenção será suspensa, exceto nos casos em que o enxugamento de grandes projetos de construção resulte em despesas adicionais significativas no futuro.
“Implementaremos medidas de poupança de energia e outras medidas para reduzir as faturas dos serviços públicos e as despesas de gestão das instalações. As despesas de segurança não essenciais serão igualmente reduzidas, desde que não afetem a segurança das nossas instalações, dos nossos bens e do nosso pessoal e delegados”, afirmou Haq.
Relativamente ao fechamento de edifícios em Genebra, Richards afirmou que o pessoal está muito preocupado. Estudos e inquéritos revelam que, para determinadas funções, o trabalho híbrido, que divide a semana entre presencial ou em casa, pode ter benefícios em termos de produtividade, sem prejuízo da disponibilidade para se reunir com os Estados-Membros, conforme necessário.
“No entanto, o encerramento do escritório durante um período prolongado irá criar problemas. Muitos funcionários não têm casas equipadas para o teletrabalho a longo prazo e podem precisar retornar, temporariamente, para os seus países de origem, o que terá repercussões”.
Entre as medidas da UNOG para enfrentar a crise de liquidez da ONU, constam:
Viagens: Só serão aprovadas os deslocamentos imperativos do ponto de vista operacional.
Aquisições: Todas as aquisições estão suspensas, exceto se forem operacionalmente necessárias (apoio à Unidade Canina, substituição de equipamentos etc.). A aquisição de uniformes, bandeiras etc. será adiada.
Formação: Só serão ministradas ações de formação que sejam imperativas do ponto de vista operacional (armas de fogo, uso da força, primeiros socorros etc.), devendo ser suspensa toda a formação externa que implique custos.
Funcionamento geral do edifício
Redução do aquecimento (20,5°C) e, nas estações mais quentes, redução do arrefecimento (26,0 °C).
Minimização da iluminação exterior, exceto a necessária para a segurança e proteção.
Todas as aquisições ou substituições de equipamento serão interrompidas, exceto no que se refere aos requisitos operacionais críticos, por exemplo, equipamento TIC, equipamento de infra-estruturas do edifício e outros materiais necessários.
Todas as necessidades de horas extraordinárias necessárias para manter o complexo estão sendo revistas, com uma potencial mudança para o horário normal de trabalho, o que poderá causar perturbações devido à manutenção/trabalho durante o horário normal de trabalho.
A época de verão das aulas de línguas não se realizará conforme a última edição.
Reuniões
As faixas horárias de duração formal de três horas de trabalho oficial (das 10h00 às 13h00 e das 15h00 às 18h00) para reuniões com serviços de conferência serão estritamente aplicadas (em conformidade com a resolução 56/242 da Assembleia Geral, anexo).
As reuniões mandatadas têm prioridade absoluta. No entanto, a capacidade de serviço é significativamente limitada e pode não ser suficiente para apoiar todas as atividades demandadas em períodos de pico, tal como atualmente previsto.
A fim de respeitar as atuais limitações, não podem ser organizadas reuniões paralelas do mesmo organismo. O serviço de consultas informais ou de reuniões de trabalho, ou de reuniões de grupos regionais ou outros grupos de Estados-Membros, será assegurado estritamente numa plataforma “se disponível”. Para as reuniões não agendadas, será possível a utilização de plataformas virtuais de autosserviço (por exemplo, Microsoft Teams) e a utilização de salas sem serviços.
Qualquer decisão intergovernamental de implementar um novo mandato no âmbito dos recursos orçamentais existentes ficará sujeita à disponibilidade de recursos e capacidades de tesouraria adequados.
As reuniões devem ser confirmadas ou canceladas junto da Secção de Gestão de Reuniões até às 15 horas da terça-feira da semana anterior à data de início prevista, em conformidade com a prática estabelecida. Os aditamentos tardios não podem ser aceitos, ao passo que os cancelamentos tardios resultarão provavelmente na paralisação da capacidade de serviço da conferência e/ou das instalações.
O calendário de conferências e reuniões de Genebra aprovado para 2024 foi cuidadosamente ajustado. Os pedidos de alteração das datas não serão considerados favoravelmente.
Serviços audiovisuais e de cobertura de reuniões
Serão suspensas todas as aquisições ou substituições de webcast e de outro equipamento audiovisual. Cobertura limitada ou nula de algumas reuniões, nomeadamente do Conselho dos Direitos do Homem, quando se realizam várias reuniões simultaneamente. A UNIS poderá não estar em condições de efetuar a cobertura de todas as reuniões.
A UNTV funcionará com capacidade de base reduzida. A transmissão em direto via Webcast será garantida com os recursos existentes. No entanto, não haverá as inserções, os cortes de vídeos à medida que a reunião decorre, com informações de cada orador associadas aos momentos relevantes do evento. A cobertura televisiva será extremamente limitada.
Além disso, ocorrerá uma redução dos serviços prestados aos Estados-Membros e aos meios de comunicação social relacionadas a fornecimento de material audiovisual e de apoio. Não será prestado qualquer serviço fotográfico, incluindo para o Conselho dos Direitos do Homem. Os vídeos não poderão mais ser legendados, publicados ou distribuídos às partes requerentes no mesmo dia, caso haja várias reuniões/eventos simultâneos.
A assistência à pesquisa em linha e presencial na biblioteca será temporariamente reduzida.
Durante quanto tempo essas medidas estarão em vigor? A menos que haja um afluxo de recursos para cobrir as dotações no orçamento, o UNOG prevê uma implementação até pelo menos o final deste ano.
Publicado originalmente na Inter Press Service.
Thalif Deen, chefe do escritório das Nações Unidas da IPS e diretor regional da América do Norte, cobre a ONU desde o final dos anos 1970. Ex-subeditor de notícias do Sri Lanka Daily News, ele também foi redator editorial sênior do The Standard, com sede em Hong Kong. Ex-oficial de informação do Secretariado da ONU e ex-membro da delegação do Sri Lanka nas sessões da Assembleia Geral da ONU, Thalif é atualmente editor-chefe da revista Terra Viva United Nations – IPS.