A Desordem Capitalista e o Projeto Neofascista

Historicamente a palavra “desordem” tem sido apropriada pelos senhores da terra para inocular na sociedade a inversão causal que inocenta a opressão e atribui à revolta os males do mundo.

O apogeu financeiro do capitalismo em nosso tempo – motor da globalização neoliberal – tensionou de tal forma a condição humana e ambiental que hoje essa inversão só se sustenta se à abrangente dissolução em curso for anteposta uma ‘ordem’ fascistizante.

A verdade é que a desordem capitalista grita seus nomes nas esquinas de todo o mundo.

Desemprego, fome, desamparo, desesperança, colapso ambiental, solidão e ressentimento tocam os tambores de uma saturação sistêmica que evoca as milícias do racismo, da misoginia, da homofobia, da desinformação, do fanatismo e do obscurantismo para dissimular o paradoxal apogeu da riqueza e da iniquidade em nosso tempo.

Esse é o sobressaltado cenário que torna a disputa presidencial de outubro no Brasil um acontecimento histórico de relevância global.

As esquerdas brasileiras, em sua grande maioria, estão cientes da abrangência desse divisor.

Seria um suicídio político, portanto, abstrair o risco de uma cristalização continuísta do atual bloco de forças e interesses que asfixiou o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, sabotando-a até o desfecho do golpe que a tirou do poder em 2016.

Buscava-se então alinhar integralmente a sociedade brasileira à fuga para a frente de um capitalismo em crise mundial, decidido a enfrentar sua encruzilhada sistêmica dobrando a aposta no veneno.

A saber: mais expropriação de direitos e maior concentração da riqueza financeira – e os complementos necessários à suavização dessa fratura exposta, ou seja, capatazias violentas no poder, desinformação anestesiante, obscurantismo religioso, expansão miliciana, naturalização da degradação institucional, cultural, ambiental e política.

Boa parte desse roteiro foi consubstanciado na agenda da “Ponte para o Futuro”, na transição do golpe de 2016, que impediu na ocasião candidatura Lula e consolidou a aliança da mídia com a escória, o dinheiro e o judiciário para alçar ao poder a atual falange de mercado.

A candidatura atual de Lula se afirma como a única capaz de impedir a cristalização desse bloco em um novo ciclo de governo.

Avançar nesse rumo, porém, é tarefa incompatível com práticas fragmentadoras, bem como não misturável com a diluição de forças em uma miríade de iniciativas e causas sem espaços comuns e objetivos estratégicos confluentes.

E não apenas isso.

Qualquer análise circunstanciada mostra que a encruzilhada brasileira atual não será vencida apenas com a volta de Lula ao poder, embora isso seja evidentemente uma condição sine qua non.

Para impedir que o neofascismo se marmorize nas entranhas da nação, o pantanoso terreno do desenvolvimento econômico, social e político que nos engolfa precisa ser modificado substancialmente.

Sem ilusões, porém.

A gigantesca transformação requerida não ocorrerá sem um protagonista social que a conduza: seu nome é organização de base do povo brasileiro.

Expandi-la não será obra apenas de governo, mas das forças conscientes desse imperativo da revolução civilizatória reclamada pela saturação de perdas e danos que sufocam e humilham nossa sociedade em pleno século XXI.

Ao desassombro histórico desse enfrentamento filia-se o novo site do Fórum 21 – Portal das Esquerdas, que a partir deste Primeiro de Maio de 2022 abre suas velas no mar revolto da política nacional.

Nossa filiação recheia de credibilidade nossos propósitos.

Inscrevemo-nos entre as forças políticas e sociais que visam a organização de uma Frente de Esquerda no Brasil, cultivam o socialismo no horizonte e coabitam o vertedouro de lutas e conquistas do Fórum Social Mundial, dos Fóruns Sociais Temáticos, dos Fóruns Sociais das Resistências, do recém realizado primeiro FSM Justiça e Democracia – e do combate ao golpe de 2016 e suas consequências.

A luta pela educação e a saúde públicas, por um Estado comprometido com o desenvolvimento econômico-social; pela dimensão estruturante de um projeto democrático de nação, lastreado nos direitos humanos; na desmilitarização do aparato policial; nas lutas das mulheres; na defesa da causa LGBTQI+; das lutas socioambientais; dos povos indígenas; da reforma agrária popular; do internacionalismo, especialmente fortalecendo a unidade das lutas na América Latina, a soberania dos povos e as lutas antiimperialistas, entre outras relevantes causas populares — esses são os clamores, as perspectivas, os sonhos e as urgências que nos guiam.

Guiaram igualmente durante quase duas décadas o espaço do infelizmente encerrado Portal Carta Maior, do qual nos reivindicamos continuadores.

Não nos embalam os ventos protocolares, mas rotas em construção.

Por meio de seus encontros periódicos, semanais, o Fórum 21 vem forjando, por exemplo, as bases que permitiram a lideranças progressistas lançarem as sementes de uma Frente de Esquerda, cujo processo ganhou força e materialidade nas eleições municipais de 2020.

O desafio de elaborar agendas, convergências e compartilhamentos que possam materializar a prática dessa Frente de Esquerda nos embates que virão é crucial não apenas para o Brasil, mas para a humanidade.

A imensa vitalidade das lutas emancipatórias em prol da dignidade do trabalho, dos direitos humanos e sociais, necessita de canais e espaços que deem vida a essa perspectiva, sem a qual a sociedade brasileira não vencerá o lodo de crises e impasses onde se choca o ovo da serpente.

Sim, ainda faz sentido dizer, ‘junt@s venceremos’. Mas somente se opusermos à tormenta civilizatória que nos cerca a determinação de buscar o ancoradouro de uma efetiva cidadania plena, em uma democracia participativa (política, social e econômica) digna desse nome.

1º de Maio de 2022.

Conselho Editorial – e Saul Leblon – do Fórum 21 Portal das Esquerdas.

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