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Brasil-China: pragmatismo de Lula aparenta viés antiocidental

Brasil-China: pragmatismo de Lula aparenta viés antiocidental

Luiz Inácio Lula da Silva caminha com seu anfitrião, o presidente Xi Jinping, no dia 14 de abril, durante reunião oficial em Pequim, ao término de sua viagem de três dias à China, visando estreitar as relações com a potência asiática, que é a principal parceiro comercial do Brasil. (Foto: Ricardo Stuckert /PR)

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva é reconhecido como um líder pragmático e suas alianças o demonstram na política interna. Na externa, porém, seu pragmatismo atual se mistura com um viés antiocidental, em suas ações e discursos.

POR MARIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva é reconhecido como um líder pragmático e suas alianças o demonstram na política interna. Na externa, porém, seu pragmatismo atual se mistura com um viés antiocidental, em suas ações e discursos.

Os vinte acordos assinados durante sua visita de três dias à China, concluída nesta sexta-feira, 14, correspondem a inegáveis interesses econômicos, tecnológicos e ambientais do Brasil. Mas é uma aproximação notável com uma potência que os Estados Unidos encaram com crescente hostilidade.

Durante sua visita, Lula atacou duramente o predomínio do dólar e pediu ao grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que promova o uso de suas moedas nacionais no comércio internacional e se liberte da “submissão a instituições.”» como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM).

Argumentou em seu discurso na quinta-feira, 13, em Xangai, durante a posse da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016), como presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos Brics. Rousseff é do mesmo Partido dos Trabalhadores, fundado e liderado por Lula, e vai presidir o banco até julho de 2025.

Na mesma quinta-feira, Lula visitou a empresa Huawei, criticada pelos Estados Unidos e outros países ocidentais por suspeita de espionagem para o governo chinês.

A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, durante o governo Lula anterior (2003-2010). Representou 26,8% do total das exportações brasileiras em 2022, que correspondem a 89,7 bilhões de dólares, e 22,3% das importações, com 60,74 bilhões de dólares.

Além disso, Pequim destinou ao país cerca de 70 bilhões de dólares desde 2010, quase metade de seus investimentos totais na América Latina.

Por isso, Lula busca restaurar boas relações com a China, afetadas por seu antecessor, Jair Bolsonaro, e seu chanceler Ernesto Araújo, ambos radicais de extrema direita e anticomunistas, que frequentemente ofendiam a potência asiática. Acusaram-na, por exemplo, de gerar propositalmente a pandemia de covid-19, numa suposta “guerra bacteriológica” e de produzir vacinas ineficazes.

O presidente Lula (no centro à direita) defende o uso de moedas nacionais, em detrimento do dólar, no comércio entre países emergentes. Reitero-o durante seu discurso na posse da ex-presidenta Dilma Rousseff (no lado oposto) do Banco de Desenvolvimento do Novo Brics, na cidade chinesa de Xangai. (Foto: Ricardo Stuckert /PR- Fotos Públicas).

Um relacionamento frutífero

“O Brasil tem sido o país que mais se beneficiou do crescimento econômico chinês nos últimos 40 anos”, resumiu Larissa Wachholz, especialista do Núcleo Ásia do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, em entrevista à IPS por telefone de Pequim.

A intensificação dos laços econômicos, que deve produzir a visita de Lula, com oito ministros e mais de 200 empresários, atrairá mais investimentos em infraestrutura, grande demanda brasileira, e “excelente cooperação” na mitigação das mudanças climáticas, compromisso dos dois países, avalia.

A transição energética e novas atividades produtivas ambientalmente sustentáveis podem contribuir para a reindustrialização almejada pelo governo brasileiro.

Ela destaca também a dimensão política da “presença relevante do Brasil na China, quando o país se reabre ao mundo após a pandemia da covid-19, que por três anos suspendeu a interação pessoal, importante para os chineses, avalia Wachholz.

 “O Brasil ganha visibilidade e capacidade de diálogo, seu reconhecimento como interlocutor necessário” nas questões internacionais, destacou Marcos Azambuja, que foi embaixador na Argentina e na França e vice-chanceler no começo dos anos 1990.

O novo governo de esquerda, que tomou posse em 1º de janeiro, vive intensa atividade diplomática, que inclui visitas de Celso Amorim, ex-chanceler na gestão anterior de Lula (2003-2010) e agora seu assessor especial, à Venezuela e à Rússia, sob sanções econômicas dos EUA.

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Em fevereiro, Lula se reuniu com o presidente Joe Biden, em Washington, e antes disso visitou a Argentina e o Uruguai. A visita à China deveria ter sido realizada na última semana de março, mas uma pneumonia o impediu de viajar, embora a missão empresarial de mais de 200 integrantes tenha mantido seu cronograma.

Marcar novas datas para a visita de Estado para duas semanas depois demonstra “a urgência e a vontade chinesa de dialogar com o governo brasileiro”, disse Azambuja à IPS no Rio de Janeiro.

“O Brasil tem que ser um ‘global player’ (ator global), dialogar e negociar em todos os conselhos”, afirmou. Ser membro dos Brics, do Grupo dos 20 (G20) grandes países industriais e emergentes e do Mercado Comum do Sul (bloco da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) demonstra que a vocação e a “teia de interesses” do país, argumentou.

Comitiva que acompanhou Lula à China, durante a posse de Dilma Rousseff como presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento. (Foto: Ricardo Stucker/PR)

Riscos do ativismo diplomático

Mas há riscos. “É aconselhável não parecer muito líder, e Lula tende a ser um líder hiperativo, por temperamento”, disse o diplomata aposentado.

“Não se ofereça, mas seja escolhido por um convite que gere confiança”, aconselhou, referindo-se à iniciativa de Lula de se apresentar como um facilitador da paz entre Ucrânia e Rússia.

“A guerra na Ucrânia não está madura para negociação. Devemos aguardar o tempo de desgaste das partes em conflito, devemos estar preparados para esse momento”, recomendou.

A ambiguidade de Lula em relação à invasão russa expõe os desafios e as incertezas de sua diplomacia. Seu governo aderiu à condenação da invasão russa na Assembleia das Nações Unidas em fevereiro, mas não assinou a declaração da Cúpula da Democracia convocada por Biden em 30 de março.

No dia 3 de abril, Amorim esteve em Moscou com o presidente russo Vladimir Putin para discutir a proposta brasileira de criar um “clube da paz”, com vários países neutros para promover negociações.

Quatro dias depois, Lula sugeriu que a Ucrânia renunciasse à Crimeia, território incorporado pela Rússia desde 2014, em uma possível negociação de paz. O governo ucraniano se recusou imediatamente a ceder qualquer parte do território do país, mesmo que hoje esteja ocupado por tropas russas.

Acumulam-se fatos e afirmações que distanciam o Brasil da posição dos países ricos do Ocidente. O Brics, defendido como uma tentativa de mudar a governança mundial e empoderar os países emergentes, é uma fonte permanente de discórdia, pois tem como membros Rússia e China, e esta com uma liderança natural.

Além disso, grande parte do Partido dos Trabalhadores de Lula se formou na luta contra o imperialismo estadunidense, e por isso continua apoiando regimes autocráticos, como os da Nicarágua e da Venezuela, que ainda considera de esquerda.

Intercâmbio assimétrico

O aumento do comércio bilateral – que deverá se expandir com o uso da moeda chinesa, o yuan ou renminbi –, dos investimentos chineses no Brasil e da cooperação tecnológica, provocam temor da dependência do Brasil em relação ao gigante asiático.

O comércio é assimétrico, com as exportações brasileiras concentradas em poucos produtos primários, como soja, minério de ferro e petróleo, e importações de produtos industriais, boa parte de alta tecnologia.

Mas o Brasil obtém um grande superávit anual, de quase 30 bilhões de dólares, e cabe a ele se tornar competitivo em produtos de maior valor agregado. Para isso, deve abrir sua economia ainda “fechada e protecionista” ao exterior, ampliar seus acordos comerciais e intensificar as importações e, consequentemente, as exportações, acrescentou Wachholz.

“Esperamos que o Brasil aumente suas exportações com mais tecnologia incorporada, não somente minerais, soja, petróleo e outros produtos agrícolas”, disse Azambuja . Para isso, tem como base uma agricultura forte e uma matriz energética das mais diversificadas, argumentou.

ED: GE

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service:

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